STARTUPS – Um conselho para fundadores de startups nas operações de M&A: use filtro soltar

STARTUPS – Um conselho para fundadores de startups nas operações de M&A: use filtro soltar

O trecho acima foi extraído do texto “Wear Sunscreen”[1] publicado no Chicaco Tribune em 1997 na coluna de Mary Schmich.  O texto traz aconselhamentos para a juventude que está se formando na faculdade e entrando no mercado de trabalho. A autora, de forma lúdica e eloquente, discorre diversos conselhos baseados na sua própria experiência de vida mas reforça que se ela pudesse dar apenas um conselho seria: usem filtro solar! Esse texto veio na minha cabeça quando parei para escrever esse artigo. Com mais de 20 anos de experiência em operações de M&A, vendo fundadores de startups criarem e venderem seus negócios, confesso que posso ter uma ou duas mãos cheias de conselho para dar, mas se eu pudesse dar apenas um, qual seria ele? Depois de certa reflexão sobre o tema, o meu conselho para os fundadores seria: quando estiver passando por uma operação de M&A, foque no seu negócio! Pode parecer óbvio, mas não é.

Quando o fundador da startup vai a mercado para receber uma rodada de investimento ou mesmo vender sua participação na empresa ele, muitas vezes, não dimensiona a energia, tempo e foco que essas operações demandam.  São reuniões atrás de reuniões, corrida atrás de informações em listas intermináveis de solicitações, desgaste emocional, cobrança e expectativa da família, entre outros tantos fatores. De forma geral, uma operação de M&A inicia-se com a negociação de um memorando de entendimentos, onde fundadores da startup e investidores vão definir as linhas mestre do acordo. Passada essa fase e assinado o memorando de entendimentos, inicia-se a fase de auditoria da empresa alvo, momento em que a empresa precisa disponibilizar diversos documentos contábeis, financeiros e jurídicos para que os assessores do investidor possam analisar e identificar os eventuais riscos atrelados ao negócio. Concluída a auditoria (e tendo o fundador sobrevivido a ela) e desejando o investidor prosseguir com a operação, discutir-se-ão os termos dos contratos definitivos, como acordo de investimentos e acordo de acionistas (se aplicável), entre outros documentos. Enfim, é uma maratona para os fundadores da startup!

Esteja preparado para acompanhar o processo

Nessa maratona o investidor será muito demandado. Ele estará preocupado com muitas coisas, como, por exemplo, a manutenção do sigilo da operação para não gerar nervosismo entre os funcionários ao mesmo tempo em que ele estará precisando do time para fornecer toda a documentação solicitada; a pressão dele estar preso com uma exclusividade com o investidor ao mesmo tempo que ele carrega a incerteza se o investidor continuará interessado na operação após a auditoria; os números mais recentes da empresa que às vezes não estão prontos mas que o investidor insiste em analisar, a sua permanência ou não no negócio e os termos comerciais para tanto, incluindo salário, bônus e obrigação de não-concorrência, e tantas outras preocupações. Você pisca e passaram-se 4 ou 5 meses, às vezes mais.

E, não raro, essas operações acabam dragando a energia e atenção do fundador da startup, afastando-o do dia a dia do negócio. E isso pode ser uma cilada. Não há dúvida que a presença do fundador é fundamental para a conclusão da operação, mas isso não pode significar a perda de foco no seu negócio. A famosa frase “o olho do dono engorda o boi” cai como uma luva para empresas startups e do mercado médio. A falta de foco do fundador na operação invariavelmente vai impactar negativamente nos negócios e, provavelmente, no bolso do fundador. Isso porque, a operação pode simplesmente não sair, ou pode se arrastar tanto que o investidor acabe exigindo uma nova precificação com números mais atuais da empresa, justamente daquele período em que o fundador ficou focado na própria operação e menos no negócio. Ou, ainda, podem existir mecanismos de earn-out ou adicionais de preço para o fundador baseados em performance financeira da empresa no período de negociação da própria operação.

Acredite, o foco no negócio é o filtro solar!

Outro erro comum que os fundadores de startups cometem é tomar decisões ao longo do processo de negociação da operação como se ela já tivesse acontecido.  Isso inclui a contratação de pessoal pensando no crescimento pós-rodada de investimento, descontinuidade de relacionamento com clientes que não são interessantes para o novo comprador, desenvolvimento de novas áreas de atuação ou produtos que, a princípio, não seriam foco do negócio caso a operação não ocorresse.  Recentemente participamos de uma operação em que o fundador quis fazer investimentos antecipados na empresa à espera do investimento, o problema é que a operação se arrastou por vários meses e o investidor pediu uma reavaliação da empresa com números mais recentes e, voilà, as despesas incorridas antecipadamente acabaram diminuindo o valor da empresa. É possível sim se dedicar a transação de M&A e tomar certas decisões já olhando para o futuro, mas isso deve ser feito com cautela e com proteção contratual para que não afete o bolso do fundador.

Renata Simon, sócia da área de Societário e M&A do VBSO Advogados.

[1] https://en.wikipedia.org/wiki/Wear_Sunscreen