STJ TEM CONDENAÇÃO INÉDITA POR INSIDER TRADING

STJ TEM CONDENAÇÃO INÉDITA POR INSIDER TRADING

INFORME JURÍDICO – MERCADO DE CAPITAIS – MARÇO DE 2016

Leia este Informe Jurídico em PDF: Informe Jurídico – Mercado de Capitais – Março 2016 – Insider Trading

 

De acordo com acórdão publicado em fevereiro pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), dois antigos executivos da Sadia S.A (“Sadia”) foram condenados pelo crime de insider trading praticado à época da oferta pública de aquisição de ações da Perdigão S.A (“Perdigão”) pela Sadia (“OPA”).  São eles Luiz Gonzaga Murat Júnior, ex-diretor de Finanças e Relações com Investidores da Sadia, e Romano Ancelmo Fontana, ex-membro do Conselho de Administração da sociedade.

Em sua decisão, o STJ manteve a pena de Luiz Gonzaga em 2 anos e 6 meses de reclusão, acrescida ao pagamento de multa no valor R$ 349,7 mil, ao passo que Romano foi condenado a 2 anos e um mês de reclusão, além do pagamento de multa no valor de R$ 374,9 mil. Ambas as penalidades haviam sido estabelecidas em julgamento na segunda instância. Trata-se, portanto, da primeira condenação em um tribunal superior pela prática de tal crime.

Luiz Gonzaga e Romano teriam utilizado informações relevantes relacionadas à OPA que seria realizada pela Sadia objetivando as ações de sua então maior concorrente, a Perdigão. A operação tinha o objetivo de assegurar a aquisição, pela Sadia, do controle acionário da Perdigão, por meio da compra de, no mínimo, 50% mais uma das ações da Perdigão.  Tais informações ainda não eram de conhecimento público e teriam sido exploradas pelos executivos para obtenção de vantagem indevida.

Conforme os fatos apurados, os acusados, após tomarem conhecimento da informação privilegiada, realizaram compras de American Depositary Receipts (“ADR”) de emissão da Perdigão na Bolsa de Valores de Nova York (“NYSE”), durante os 6 meses anteriores à divulgação da OPA ao mercado.

Aproximadamente um mês após a última compra de ADR feita pelos executivos, a Sadia lançou a OPA para a aquisição da totalidade das ações da Perdigão, no valor de R$ 27,88 por ação. O preço foi 21,22% superior à cotação das ações no fechamento de pregão anterior, o que garantiu vantagem financeira de cerca de US$ 200 mil para Romano e Luiz Gonzaga.

No Brasil, os executivos também foram penalizados administrativamente pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), e nos Estados Unidos pela Securities and Exchange Comission (“SEC”).

Apesar dos executivos da Sadia serem os primeiros condenados judicialmente pela prática de insider trading, o empresário Eike Batista também está sendo julgado desde 2014 pela Justiça Federal pelo uso indevido de informações privilegiadas.

Insider Trading no âmbito penal, civil e administrativo

A punição ao insider trading visa a assegurar a simetria de informações e garantir as mesmas condições de mercado a todos os investidores, de modo a preservar as relações de confiança no mercado de capitais.

A prática de insider trading é definida pelo artigo 27-D da Lei 6.385 de 7 de setembro de 1976 como a utilização de informação relevante ainda não divulgada ao mercado, da qual determinada pessoa tenha conhecimento e deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários.  Embora a Lei tenha sido publicada em 1976, a criminalização do insider trading foi introduzida apenas há cerca de 15 anos, por meio de uma alteração realizada pela Lei n° 10.303, de 31 de outubro de 2001.

Considera-se relevante, por sua vez, qualquer informação capaz de influir de modo ponderável (i) na cotação do valor mobiliário emitido por companhia aberta ou (ii) na decisão do investidor de comprar, manter ou vender valor mobiliário do qual é titular ou ainda de exercer direitos decorrentes de tal valor mobiliário .

A Lei n° 6.385/76 atribui pena de reclusão que pode variar de 1 a 5 anos, bem como pagamento de multa de até 3 vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

Na esfera civil, a Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976 (“Lei das S.A.”) também prevê em seu artigo 155 a responsabilidade objetiva dos administradores e diretores pela prática do insider trading. O uso indevido de informações pelos administradores, em favor de interesses pessoais, viola o seu dever de lealdade com a companhia, os acionistas e o mercado.

Já no âmbito administrativo, a CVM, como órgão fiscalizador e regulador do mercado de capitais, dispõe na Instrução CVM 358, de 3 de janeiro de 2002 sobre o uso e divulgação de informações relevantes nas companhias abertas, bem como na negociação de valores mobiliários.

Logo, os diretores e administradores de companhias abertas que se aproveitarem de informações relevantes e privilegiadas para obtenção de benefícios poderão ser condenados não só no âmbito do direito penal, mas também por responsabilidade civil perante os investidores prejudicados ou perante a companhia.

Além disso, as práticas de insider trading com o consequente descumprimento das normas previstas pela CVM poderão resultar na abertura de inquéritos administrativos pelo referido órgão. Por meio desses inquéritos, a CVM tem exercido sua competência punitiva na prática de insider trading, aplicando multas e sanções administrativas aos que violarem o dever de lealdade previsto na Lei das S.A. e às normas editadas por esta Autarquia,

De acordo com pesquisas realizadas pelo Núcleo de Estudos em Mercados e Investimentos da FGV Direito – SP, entre 2002 e 2013 a CVM julgou 34 processos administrativos sancionadores envolvendo insider trading, indiciando, ao todo, 171 insiders. Dos 171 indiciados, apenas 38 foram condenados, dos quais 60,50% são agentes do mercado, incluindo investidores e corretoras de valores.

Em 16 dos 34 casos julgados pela CVM, todos os indiciados foram absolvidos. Porém, desde 2010 o número de novos casos envolvendo uso de informações privilegiadas tem aumentado, bem como o número de punições e sanções aplicadas pelo órgão. Somente no ano de 2015, foram julgados 9 casos de insider trading, o que aponta a tendência da autarquia em não flexibilizar e envidar cada vez mais esforços para combater tais práticas desleais.

Conclusão

A prática de insider trading é condenada pela legislação brasileira desde o século passado. No entanto, é possível observar que na última década, principalmente após a reforma da Lei das S.A. e da Lei nº 6.385/76 em 2001, a discussão, fiscalização e o combate ao uso indevido de informações privilegiadas tem ganhado espaço no ambiente das companhias e no mercado como um todo.

A assimetria de informações entre os investidores prejudica a credibilidade do mercado brasileiro perante os investidores nacionais e estrangeiros. Logo, o aumento da fiscalização pela CVM e a recente punição na esfera judicial das práticas de insider trading são um avanço importante para proteção do mercado e que tem influenciado às companhias abertas brasileiras a adotar melhores práticas de governança corporativa e compliance.

 

Equipe de Mercado de Capitais – VBSO Advogados