VALOR ECONÔMICO – Usufruto de ações e seus impactos fiscais

VALOR ECONÔMICO – Usufruto de ações e seus impactos fiscais

As operações com usufruto de ações podem ser muito úteis na otimização financeira e alocação de recursos, mas é preciso atenção ao correto tratamento contábil e fiscal

Por Caio Malpighi

O usufruto é um direito real previsto nos artigos 1.225, 1.390 e ss. do Código Civil, por meio do qual o nu-proprietário de determinado bem pode constituir ao usufrutuário o direito de exercer a posse, usar, administrar e perceber os frutos daquele bem.

A etimologia latina do instituto (usus fructus – uso dos frutos) nos revela que a origem do usufruto provém do Direito da Roma antiga, época em que a sua finalidade originária era garantir que a viúva romana pudesse subsistir, continuando a colher os frutos dos imóveis rurais deixados pelo de cujus, mesmo não sendo herdeira e não tendo direito a tal propriedade, pela lei vigente na época.

Com o passar do tempo, o usufruto teve sua utilidade ampliada, se mostrando um instrumento jurídico interessante para a exploração econômica da propriedade privada bem como para o planejamento patrimonial e sucessório.

No mercado de capitais, tal instrumento também pode ser muito útil, possibilitando que o usufrutuário perceba dividendos e juros sobre capital próprio (JCP) de ativos de propriedade de outrem. Aliás, o artigo 205 da Lei das S.A. permite expressamente que os dividendos sejam pagos aos usufrutuários de ações da companhia. Por sua vez, o nu-proprietário dos ativos pode explorá-los economicamente por meio do usufruto oneroso; isto é, constituindo em favor de terceiro o direito de usar e fruir de seu capital em troca de contrapartida financeira.

Diante dessas possibilidades, o usufruto é muito utilizado em operações de crédito no mercado financeiro e de capitais, visando à alocação de recursos financeiros e reestruturações patrimoniais e societárias de grandes grupos econômicos.

A situação na qual o usufrutuário explora economicamente determinado capital que não está juridicamente em seu patrimônio pode causar algumas dúvidas, principalmente no que tange à contabilização e tributação para as pessoas jurídicas envolvidas nessas operações.

Antes de adentrarmos aos efeitos fiscais para as partes que participam do negócio de usufruto de ações, necessário termos noção do tratamento contábil dispensado a essas entidades. Para tanto, peguemos a seguinte hipótese: empresa A constituir usufruto oneroso de ações de sua propriedade em favor de uma empresa B. Nesse caso, os dividendos e JCP pagos durante a vigência do contrato deverão ser reconhecidos contabilmente como receita pela empresa B, que receberá tais valores na qualidade de usufrutuária do bem.

Por outro lado, há entendimento jurisprudencial majoritário de que a empresa A deverá considerar como receita apenas o que lhe for pago pela empresa B a título de contraprestação pelo usufruto, creditando tais valores em seu resultado e incluindo-os nas bases de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Já os valores de dividendos e JCP percebidos pela empresa B e que a empresa A deixou de auferir durante o contrato de usufruto oneroso deverão ser reconhecidos na contabilidade desta última como despesas, deduzidas na apuração do IRPJ e da CSLL pelo regime de competência, conforme já decidiu o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – Carf (acórdão 9101-005.787) e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (processo nº 0008421-70. 2012.4.03.6100).

Do ponto de vista do usufrutuário (a empresa B do nosso exemplo), os dividendos estarão isentos nos termos do artigo 10 da Lei nº 9.249/95, como inclusive já reconheceu própria Receita Federal, por meio de Solução de Consulta Cosit nº 38/18.

No que tange aos JCP percebidos em razão do usufruto, estes serão tributados pelo IRPJ, CSLL, PIS e Cofins na pessoa da empresa B, usufrutuária, não podendo ser exigidos da empresa A, nu-proprietária do bem. Este tema também já foi objeto de debate no Carf,

pois a Receita entendia que o artigo 9º da Lei nº 9.249/95 somente permitiria a distribuição de JCP a titular, sócio ou acionista da companhia investida, sendo que o usufrutuário não se enquadraria em tal situação, por não possuir qualquer vínculo societário com a companhia investida. Assim, no entender do Fisco, o lançamento tributário deveria ser realizado pelo nu-proprietário, titular da ação, e não pelo usufrutuário.

Apesar deste entendimento da Receita Federal, existem fundamentados julgados no Carf, no sentido de que o nu-proprietário não pode ser tributado pelos JCP percebidos pelo usufrutuário (e.g. acórdão 1402-002.445). O principal motivo para tal entendimento é o de que, durante a vigência do usufruto, quem aufere capacidade contributiva é o usufrutuário e não o nu-proprietário. Isso, aliás, está em linha com o tratamento contábil das receitas e despesas decorrentes desse negócio jurídico, conforme mencionado alhures.

Por sua vez, também não poderá a Fiscalização glosar as deduções da companhia investida que distribuiu JCP ao usufrutuário de suas ações. Em casos assim, a Receita já fundamentou tais glosas com a justificativa de que a lei apenas permitiria a dedução de JCP pagos ou creditados ao acionista, não estendendo tal benefício aos casos em que se distribuiu esses valores ao usufrutuário. Felizmente, essas autuações também têm sido canceladas pelo Carf, onde prevalece o entendimento de que é sim possível a distribuição de JCP a usufrutuários do capital, sendo permitido, nesses casos, a dedução destes valores pela companhia investida, como ocorreria normalmente (e.g., acórdão 1402-003.3581).

Como se vê, as operações com usufruto de ações podem ser muito úteis na otimização financeira e alocação de recursos. Mas é preciso atenção ao correto tratamento contábil e fiscal dispensado às partes envolvidas nessas operações (nu-proprietária, usufrutuária e companhia investida), principalmente para evitar autuações por parte da Receita Federal.

Caio Malpighi é especialista em Direito Tributário pelo IBDT e tributarista no VBSO Advogados

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