VALOR – São Paulo exige ITCMD sobre trust

VALOR – São Paulo exige ITCMD sobre trust

A Secretaria da Fazenda e Planejamento de São Paulo (Sefaz-SP) se manifestou pela primeira vez sobre a tributação de
trust pelo ITCMD. O entendimento do órgão, publicado por meio de uma consultade contribuinte, é o de que o imposto deve ser exigido na
transferência de ativos do instituidor do trust (settlor) ao administrador (trustee), mesmo com entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF)contra a cobrança sobre heranças e doações no exterior.

A manifestação é importante, segundo especialistas, também em razão das recentes medidas adotadaspelo Estado para elevar a arrecadação do imposto. Entre elas, a criação de uma delegacia única eespecializada para analisar os pagamentos do ITCMD, que em 2022 gerou R$ 4,1 bilhões aos cofrespúblicos. No Estado, a alíquota é de 4%.

O posicionamento está na Resposta à Consulta nº 25.343, de 31 de março. No caso concreto, o trustfoi constituído em dezembro de 2017, por meio do aporte de bens por uma empresa estabelecida noexterior em benefício da pessoa física instituidora e de outros beneficiários, pelo prazo de 150 anos ouaté ato posterior que altere essa previsão.

Na consulta, o beneficiário alegou à Fazenda paulista que o Supremo Tribunal Federal (STF) já semanifestou contra a exigência de ITCMD sobre doações de bens no exterior. A mais recente decisão foiproferida em junho do ano passado (ADO 67). Os ministros entenderam ser necessária lei complementar para a cobrança pelos Estados e Distrito Federal e deram prazo de 12 meses para o CongressoNacional regularizar a questão.

Um ano antes, acrescentou, os ministros já tinham analisado o tema por meio de recurso extraordinário(RE 851108), com repercussão geral. Na ocasião, entenderam que os Estados e o Distrito Federal nãotêm competência legislativa para instituir a cobrança.

A Fazenda paulista, porém, decidiu manter a aplicação da Lei do ITCMD (nº 10.705/2000). De acordocom o artigo 4º, incide o imposto nas doações por doador no exterior. Para o órgão, a norma estadualcontinua válida pelo fato de ainda não ter sido editada lei complementar para regulamentar a cobrança.

“Em que pese a decisão do STF no âmbito do RE nº 851.108/SP, permanece válido e vigente noordenamento jurídico o artigo 4º da Lei 10.705/2000”, afirma na resposta ao contribuinte.

No caso do trust, há dois projetos de lei em andamento no Congresso para regulamentá-lo por meio delei complementar – nº 4.768, de 2020, e nº 145, de 2022.

O mais recente deles é o único que trata datributação do trust – por ITCMD, IR e ITBI. Sua última movimentação na Câmara aconteceu no dia 29março, com a designação do relator, o deputado Thiago de Joaldo (PP/SE), na Comissão de Finanças eTributação.

Há, por ora, apenas uma manifestação da Receita Federal sobre a tributação de valores recebidos viatrust. Em 2020, por meio da Solução de Consulta nº 41, a Coordenação-Geral de Tributação (Cosit)orientou os fiscais do país no sentido de que os recebimentos por beneficiário residente no Brasilestariam sujeitos ao recolhimento de IR (até 27,5%).

Para o advogado Caio Malpighi, tributarista no VBSO Advogados, a falta de legislação tributáriaespecífica sobre o tema gera um potencial conflito de competência sobre quem deve tributar essasoperações: a União (IR) ou os Estados e o Distrito Federal (ITCMD). “O que a Sefaz-SP disse naresposta à consulta não está em nenhuma lei ”, diz. “Do jeito que está sendo feito, a insegurança jurídicasó aumenta e ainda há risco de outros Estados tratarem a questão de forma diferente.”

Flávia Allegro Gerola, do Trench Rossi e Watanabe, alerta que, se o PL nº 145 for convertido em leicomplementar, o entendimento que prevalecerá será contrário ao de São Paulo. “O projeto de lei dispõeque na mera transferência de ativos não incide o ITCMD”, afirma. Na prática, acrescenta, a proposta delei diferencia o beneficiário “potencial” do “efetivo”.

Erlan Valverde, sócio TozziniFreire, entende que a resposta da Sefaz-SP traz um problema de economiaprocessual. “Porque obriga o contribuinte a procurar o Judiciário”, diz. “Após essa resposta à consulta,um contencioso preventivo é até recomendável para evitar a cobrança do ITCMD.”

Mesmo que ainda haja recurso pendente contra o julgamento do STF (não transitou em julgado), oentendimento da Sefaz-SP é um desrespeito à essência da decisão dos ministros, segundo MatheusBueno, sócio do Bueno Tax Lawyers. “Os embargos não vão mudar o mérito, mas o Supremo está háanos julgando ações em sentido contrário a essa interpretação”, afirma.
De acordo com Frederico Bastos, sócio do BVZ Advogados, a interpretação da Fazenda paulistadesconsidera que um dos elementos para a doação, conforme o Código Civil, é o aceite dela. “Muitasvezes, quem constituiu a estrutura do trust não informou o beneficiário”, diz.

Reportagem publicada originalmente no site do Valor Econômico. Clique aqui para ler.