02 out Letras Imobiliárias Garantidas e as inovações introduzidas pela Regulamentação do CMN
Em complemento à nota que publicamos em 5 de setembro de 2017[1], que tratava das principais inovações regulatórias introduzidas na regulamentação das Letras Imobiliárias Garantidas (“LIG”), com a edição pelo Conselho Monetário Nacional – CMN da Resolução nº 4.598, de 29 de agosto 2017, apresentamos abaixo outras regras importantes criadas pela Resolução para a emissão de LIG pelas instituições financeiras.
A LIG é título de crédito semelhante aos covered bonds americanos, títulos de crédito emitidos por bancos ou companhias hipotecárias, tendo como garantia uma carteira de ativos para cobrir execuções a qualquer momento. O investidor, quando optar pela LIG, tem a garantia de que, uma vez que o emissor não consiga honrar com seus pagamentos, terá prioridade sobre a carteira imobiliária do emissor. As instituições financeiras devem, portanto, instituir regime fiduciário sobre este título, uma vez que o emissor deve lastrear os investimentos em carteira imobiliária fora de seu balanço, não ficando o título comprometido caso haja intervenção, liquidação extrajudicial ou falência do emissor.
O Agente Fiduciário
O emissor da LIG deve nomear um agente fiduciário, devendo este ter poderes de representação dos investidores que adquirirem LIG e monitorar a atuação do emissor quanto à administração da carteira de ativos. O agente fiduciário deve ser instituição independente do emissor, visto que, nas hipóteses de decretação de intervenção, liquidação extrajudicial ou falência do emissor, o agente fiduciário fica investido de mandato para administrar a carteira de ativos imobiliários que lastreia a emissão da LIG.
Carteira de Ativos
A carteira de ativos poderá, segundo a Resolução, ser composta por (i) créditos imobiliários; (ii) títulos de emissão do Tesouro Nacional; (iii) instrumentos derivativos; e (iv) disponibilidades financeiras provenientes dos ativos integrantes da carteira de ativos.
A utilização de instrumentos derivativos, por sua vez, foi tema amplamente discutido com os participantes do mercado pelo Banco Central, na consulta pública. A Resolução define que o instrumento derivativo somente pode integrar a carteira de ativos se (i) for destinado exclusivamente a proteção (“hedge”), nos termos da regulamentação em vigor; e (ii) não possuir cláusula de vencimento antecipada relacionada às hipóteses de insolvência do Emissor de LIG.
A carteira de ativos ainda deve cumprir com (i) requisitos de elegibilidade; (ii) requisitos de composição; (iii) requisitos de suficiência; (iv) requisitos de prazo; e (v) requisitos de liquidez.
Há os seguintes requisitos a serem apontados, dentre outros:
(i) a soma dos valores nominais atualizados dos créditos imobiliários, incluindo o valor dos instrumentos derivativos, deve representar, no mínimo, 80% (oitenta por cento) do valor nominal atualizado total da carteira de ativos. incluindo o valor dos instrumentos derivativos, deve representar, no mínimo, 80% (oitenta por cento) do valor nominal atualizado total da carteira de ativos;
(ii) a carteira de ativos deve ser suficiente para atender os compromissos relacionados às LIG por ela garantidas, incluindo o pagamento do principal e juros, bem como as obrigações decorrentes de instrumentos derivativos integrantes da carteira e a remuneração do agente fiduciário, nas hipóteses de decretação de intervenção, liquidação extrajudicial ou falência do Emissor;
(iii) o emissor deve realizar testes de estresse capazes de mensurar o impacto dos principais fatores de riscos aos quais está exposta a carteira de ativos em relação ao cumprimento do requisito de suficiência;
(iv) o prazo médio ponderado da carteira de ativos não pode ser inferior ao prazo médio ponderado das LIGs por ela garantidas, calculado nos termos do art. 7º, parágrafo único da Resolução; e
(v) a carteira de ativos deve conter ativos líquidos em valor correspondente aos compromissos relacionados com as LIGs por ela garantidas, a vencer nos próximos 180 (cento e oitenta) dias.
Termo de Emissão e Depósito Centralizado
A LIG será formalizada por um Termo de Emissão da LIG (“Termo de Emissão”). O Termo de Emissão deve ser registrado para fins declaratórios em entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil para exercício de depósito centralizado. Além de tal registro, a LIG deve ser depositada em entidade autorizada a exercer a atividade de depósito centralizado, nos termos da lei 12.810, de 15 de maio de 2013.
Vencimento Antecipado
Ponto relevante trazido pela Resolução 4.598 é a vedação ao vencimento antecipado da LIG, exceto com o reconhecimento da insolvência da carteira de ativos, segundo as especificações descritas no artigo 36 da Resolução nº 4.598/17.
A carteira de ativos incorre em insolvência quando ocorrer, pelo menos uma das seguintes hipóteses sob administração do agente fiduciário.
(i) inadimplência no pagamento de LIG, definida como:
(a) atraso de pagamento de principal superior a dois dias úteis contado da data de vencimento, no caso de Regime Especial de Amortização que não preveja a possibilidade de seu adiamento;
(b) atraso de pagamento de principal superior a dois dias úteis contado da nova data de vencimento, no caso de Regime Especial de Amortização que preveja a possibilidade de adiamento dos vencimentos de principal originalmente pactuados; ou
(c) atraso de pagamento dos compromissos relacionados à LIG referidos no art. 57, § 2º, exceto o pagamento de principal; ou
(ii) descumprimento do requisito de suficiência, de que trata o art. 56, por dois períodos de verificação consecutivos.
Vale ressaltar ainda que nas hipóteses de decretação de intervenção, liquidação extrajudicial ou falência do Emissor e, incorrido o vencimento antecipado da LIG, os ativos excedentes da carteira de ativos devem ser integrados à massa concursal do Emissor após a liquidação integral dos direitos dos Investidores e o pagamento dos encargos, custos e despesas relacionados ao exercício desses direitos, segundo o artigo 77 da Resolução nº 4.598/17.
Fomento ao Mercado Imobiliário
A estruturação de LIG já era bastante esperada pelo mercado, e tal regulação vem em conformidade com a expectativa, buscando reduzir custos de captação de recursos pelas instituições financeiras e, por consequência, ampliar a oferta de crédito imobiliário a preços reduzidos aos tomadores. Há ainda incentivos a esse título, em semelhança com os já aproveitados pelas Letras de Crédito Imobiliárias (isenção de imposto de renda sobre os rendimentos e ganhos de capital para pessoas físicas residentes no país ou investidores residentes, domiciliados ou com sede no exterior).
Equipe Mercado de Capitais – VBSO Advogados
[1] A nota pode ser lida no link: https://www.vbso.com.br/conselho-monetario-nacional-edita-norma-sobre-letras-imobiliarias-garantidas/