STJ reconhece validade de cobrança de débitos fiscais proposta por sociedade contra antigos sócios

STJ reconhece validade de cobrança de débitos fiscais proposta por sociedade contra antigos sócios

 

Em recente decisão, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”)[1] reconheceu, por unanimidade, a legitimidade de determinada sociedade empresária limitada para propor ação de cobrança em face de antigas sócias, em virtude do pagamento de débitos fiscais devidos pela sociedade referentes a período em que aquelas ainda integravam o quadro de sócios.

Conforme consta dos autos do caso em tela, as antigas sócias transferiram a totalidade de suas quotas a 2 (dois) novos sócios, retirando-se da sociedade. No entanto, após o registro da correspondente alteração contratual na Junta Comercial competente, a sociedade foi notificada pela Secretaria da Fazenda do Distrito Federal para pagamento de débitos fiscais anteriores à data da cessão de quotas.

Após efetuar o pagamento dos débitos fiscais, a sociedade ajuizou ação de cobrança contra as antigas sócias, objetivando o ressarcimento dos valores pagos. Em primeiro grau de jurisdição, o pedido foi julgado procedente, tendo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal mantido a decisão e alterado apenas o valor devido a título de ressarcimento.

Diante de tais decisões, as antigas sócias interpuseram recurso especial alegando (i) ilegitimidade ativa da sociedade para promover ação de cobrança; (ii) decadência do direito de cobrança da sociedade; e (iii) que os débitos fiscais teriam sido quitados de maneira espontânea pela sociedade e seus atuais sócios, sem devida ciência ou consentimento das recorrentes.

Em sua decisão, o STJ negou provimento ao recurso especial, com fundamento no parágrafo único dos artigos 1.003 e 1.057 do Código Civil, os quais preveem que os sócios que cederem suas quotas responderão solidariamente com os cessionários, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinham como sócios, pelo prazo de 2 (dois) anos contados da efetiva averbação da modificação contratual na Junta Comercial competente.

De fato, o artigo 1.003 do Código Civil institui uma responsabilidade solidária entre cedente e cessionário das quotas de determinado sociedade. No entanto, há um elemento essencial em referido dispositivo legal que deve ser levado em consideração, inclusive para o caso em discussão: o fato de o regime de responsabilidade trazido pelo artigo 1.003 Código Civil estar expressamente restrito às obrigações que os cedentes tinham como sócios (e não a obrigações da própria sociedade).

Nesse sentido, a interpretação de tal dispositivo deve ser sistemática, de modo que não interfira na extensão das responsabilidades inerentes ao tipo societário sob o qual a sociedade empresária foi constituída, tampouco se sobreponha às obrigações legais dos sócios em cada tipo societário. Em outras palavras, em se tratando de uma sociedade empresária limitada, como é o caso da recorrente, é importante que se reafirme quais são as obrigações atribuídas aos seus sócios para que, então, delimite-se por quais obrigações os cedentes permanecerão obrigados pelo prazo e nos termos previstos no artigo 1.003 do Código Civil.

Como é sabido, as obrigações de sócios de sociedade empresária limitada, de maneira bastante sumarizada, podem ser definidas como (i) a obrigação de integralizar a sua participação subscrita no capital social da sociedade, sob pena de ser considerado sócio remisso; (ii) a responsabilidade solidária pela integralização do capital social ainda não integralizado; e (iii) a responsabilidade solidária pela exata avaliação dos bens com os quais tiverem integralizado o capital social, perante a sociedade e terceiros, pelo prazo de cinco anos contados da data do ato societário correspondente.

É verdade que, em alguns casos, a responsabilidade limitada dos sócios pode ser afastada, de maneira que passem a responder ilimitadamente com seu patrimônio pessoal. Incluem-se nestas hipóteses, como não poderia deixar de ser, os casos de condutas e deliberações sociais que violem a lei ou o contrato social da sociedade, bem como os casos de abuso da personalidade jurídica (seja por meio de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, admitindo-se, em ambos os casos, a desconsideração da personalidade jurídica[2]). Se por um lado, a limitação de responsabilidade é fator crucial para estimular o empreendedorismo, por outro lado, não pode servir de instrumento à prática de atos irregulares.

Nas questões fiscais – matéria objeto do caso em análise -, em tese, o sócio não responde por obrigações tributárias da sociedade empresária limitada pelo simples fato de ocupar a posição de sócio. De acordo com o artigo 134, inciso VII do Código Tributário Nacional, os sócios seriam solidariamente responsáveis pelas dívidas fiscais das sociedades em caso de liquidação da empresa e em relação aos atos ou omissões por ele praticados. Já no caso dos administradores, segundo o artigo 135, inciso III do Código Tributário Nacional, a responsabilidade pelas dívidas tributárias somente serão atribuídas a diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado em relação às obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Portanto, o sócio administrador pode ser responsabilizado por débitos fiscais nestas condições, por ter exercido ou praticado atos de gestão da sociedade em descumprimento à lei ou ao contrato social.

Tendo em vista que os autos julgado pelo STJ não trazem qualquer menção a eventual violação de deveres ou preceitos legais atribuídos às antigas sócias da sociedade, estas não deveriam ser solidaria ou pessoalmente responsáveis por obrigações da própria sociedade, que não consistam em “obrigação de sócio” de uma sociedade empresaria limitada, conforme conceituadas acima. E, ainda que fosse possível atribuir às antigas sócias da sociedade a prática de qualquer ato em violação à lei ou ao seu contrato social suficiente para, nos termos do Código Tributário Nacional, torna-las solidariamente responsáveis pelas dívidas fiscais da sociedade, tal fato poderia até ser alegado pelas autoridades fiscais para a satisfação de seu crédito, mas não seria suficiente para eximir a própria sociedade, como devedora e contribuinte, da obrigação de pagamento ou, ainda, para legitimá-la a requerer, em juízo, o ressarcimento pelos valores pagos.

Outro poderia ser o entendimento se, por exemplo, o instrumento de compra e venda celebrado entre cessionárias e cedentes dispusesse sobre o dever destas de indenizar as cessionárias e/ou a sociedade por perdas sofridas em razão de atos ou fatos oriundos do período em que as cedentes eram sócias da sociedade. Ainda assim, a legitimidade ativa para referida ação de cobrança caberia às cessionárias e o fundamento para eventual decisão favorável, ainda assim, não seria o artigo 1.003 do Código Civil.

 

[1] Recurso Especial nº 1.484.164 – DF

[2] Nos termos do artigo 50 do Código Civil: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

Tags: