A VIOLAÇÃO DO DEVER DE REVELAÇÃO DO ÁRBITRO E AS SUAS IMPLICAÇÕES PARA O PROCESSO ARBITRAL

A VIOLAÇÃO DO DEVER DE REVELAÇÃO DO ÁRBITRO E AS SUAS IMPLICAÇÕES PARA O PROCESSO ARBITRAL

Artigo originalmente publicado na edição 77 da Revista de Arbitragem e Mediação, da Revista dos Tribunais. Clique aqui para mais informações. 

Sobre os autores:

Amanda Arraes de Albuquerque Maranhão
Mestranda em Direito do Comércio Internacional pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em ArbitragemInternacional pela London School of Economics and Political Science (LSE). Coordenadora do CAMARB Alumni.Treinadora da equipe que representou a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) no Willem C. Vis InternationalArbitration Moot. Advogada.

João Ricardo Tavares
Mestrando em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da USP. Especialista em Direito Empresarial pela FGV/Rio. Árbitro da Câmara Empresarial de Mediação e Arbitragem de Pernambuco. Advogado.

Sumário:
1. Considerações iniciais – 2. O dever de revelação do árbitro – 3. As consequências da quebra do dever de revelação:do árbitro à arbitragem – 4. Da análise do dever de revelação do árbitro – 5. Considerações finais – 6. Referênciasbibliográficas

Área do Direito:
Civil; Processual; Arbitragem
Resumo:
No presente ensaio, busca-se trazer algumas reflexões sobre o dever de revelação do árbitro – tratado cada vez com mais rigor – e como a sua violação deve ser analisada sob o ponto de vista material e processual na arbitragem. Para tanto, investiga-se o conceito do dever de revelação, sua característica instrumental para verificação da parcialidade e dependência do árbitro e as consequências de sua quebra, a partir de uma breve revisão de literatura. Percebe-se que, muito embora o árbitro deva agir com transparência, reportando os fatos que denotem dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência, é de sumária relevância levar em consideração que nem sempre a violação do dever de revelação implica parcialidade do árbitro, sob pena de injustificadamente anular sentenças arbitrais.

1. Considerações iniciais
No negócio jurídico da arbitragem, o árbitro representa a pedra angular. A partir da escolha consensual – natural desse método de resolução de conflitos – partes confiam ao árbitro a solução justa e equânime do litígio.

Muito embora qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes possa atuar como árbitro, no artigo 13, § 6º,da Lei 9.307, de 23 de setembro de 96, impõe-se que a pessoa indicada deva ser independente e imparcial. Aexigência de independência e de imparcialidade do árbitro constitui a garantia de um julgamento justo e é o sustentáculo de uma justiça honesta.

Para preencher os requisitos de independência e de imparcialidade, o provável árbitro tem o dever, antes mesmo deser confirmado como árbitro e durante todo o procedimento arbitral, de averiguar a existência e a manutenção da sua independência, uma vez que ele deve ser independente e imparcial durante todo o processo arbitral.

E se é assim, ao ser indicado pelas partes, o árbitro possui a incumbência de revelar os fatos que sejam de seu conhecimento e que possa gerar dúvida razoável quanto à sua independência e imparcialidade.

Para além de se reforçar a importância desse dever de revelar, as maiores dúvidas que surgem não mais dizem respeito à sua existência em si, mas, especialmente, à extensão em que deve ser exercido e exigido, assim como às consequências que devem ser atribuídas em caso de sua violação.

Muito se vê, tanto na doutrina como na prática arbitral, que a inobservância do dever de revelação já evidencia de imediato a inaptidão para o exercício legítimo da função de árbitro.

Assim, e sem qualquer pretensão de exaurir tão rico tema, nas próximas linhas, tenta-se, tanto quanto possível,demonstrar que o dever de revelação deve ser visto como um instrumento para a constatação da imparcialidade e independência do árbitro, de modo que a quebra do referido dever não pode, de imediato, macular a higidez do árbitro e do processo arbitral.

Levando-se em consideração a problemática envolvendo o dever de revelação do árbitro, cumpre explanar mais detidamente a seguir acerca do seu conceito, assim como das consequências advindas de sua violação, valendo também da discussão sobre casos emblemáticos, para, então, apresentarem-se as considerações finais.

2. O dever de revelação do árbitro
Na arbitragem, os árbitros recebem seus poderes a partir de uma convenção privada e julgam um litígio por meio de uma sentença com força de coisa julgada. A garantia dos poderes conferidos aos árbitros está disposta no artigo 18da Lei 9.307/96 (LGL\1996\72), ao se definir que o árbitro é juiz de fato e de direito. Desse modo, as partes capazes para contratar recorrem à arbitragem para litígios patrimoniais e disponíveis, sendo a escolha da arbitragem fruto da autonomia privada.

A arbitragem é uma questão contratual, conforme afirma Gary Born, e a jurisdição dos árbitros funda-se na máxima da arbitragem que é o consentimento das partes. O consentimento caracteriza a possibilidade de exercerem as partes, livremente, a escolha do procedimento a que queiram se submeter. Nesse contexto, uma das características básicas da arbitragem é a possibilidade de escolha do julgador, tendo, portanto, como pressuposto essencial a confiança naquele que irá julgar. Tal escolha é limitada, no entanto, pelas obrigações de imparcialidade e independência do árbitro.

É de se considerar que, pela própria natureza da relação estabelecida entre o árbitro e as partes, aquele assume deveres e obrigações de caráter contratual. Assim, conforme Judith Martins-Costa ressalta, é dever do árbitro levar em consideração os princípios das relações negociais do Direito Privado, em especial, a autonomia privada, a responsabilidade, a confiança e a boa-fé. Assim, a fim de compatibilizar a liberdade das partes no que tange à indicação dos árbitros com os deveres de independência, imparcialidade e neutralidade do árbitro nomeado, existe o dever de revelação. É nesse sentido que praticamente todas as legislações e regulamentos de arbitragem impõem ao árbitro o dever de revelar fatos e circunstâncias que podem suscitar dúvidas quanto à sua imparcialidade e independência, sendo o dever de revelação considerado, atualmente, “um indiscutível princípio da arbitragem”.

A esse respeito, cumpre mencionar que o dever de revelação não se trata de um item formal de mero preenchimento de declaração ou questionário de instituição arbitral. Diferentemente, consiste em um dos atos mais significativo do processo arbitral, pois, se exercido de forma adequada e mediante razoável reflexão, é decisivo para se certificar a validade da constituição do tribunal arbitral. Por outro lado, se não cumpridos os seus propósitos essenciais, pode deslegitimar todo o procedimento arbitral, abrindo margem para impugnações.

É importante esclarecer que o dever de revelação surgiu como uma forma de suprir a ausência de anterior resguardo que é conferido a um magistrado. Ora, o juiz, como agente do Estado, está submetido a uma série de atribuições legais e constitucionais, as quais não são estendidas a um árbitro, dada a sua atribuição particular e eventual de resolver um litígio. Portanto, deve o árbitro ser transparente e reportar “qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência”, sendo estes fatos anteriores ou durante o curso do procedimento arbitral.

Convém ressaltar que a independência e a imparcialidade são tratadas distintamente pelas leis nacionais dos países que regulamentam a arbitragem em seus ordenamentos jurídicos. Isto porque, em princípio, cada Estado soberano possui sua própria autodeterminação para elaborar mecanismos de proteção que consideram adequados; logo, o que se compreende por imparcialidade e independência poderá sofrer mudanças, levando-se em conta cada ordenamento jurídico.

A esse respeito, no contexto brasileiro, no artigo 13, § 6º, da Lei 9.307/96 (LGL\1996\72), estabelece-se que “no desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição”. Conforme o que Carlos Alberto Carmona ressalta, “[a imparcialidade] é uma predisposição de espírito, [a independência] uma situação de fato”.

Nesse sentido, dispõe-se no artigo 14, da Lei 9.307/96 (LGL\1996\72), a seguinte imposição: “Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil.”

Nessa ordem de ideias, no artigo 14, § 1º, da Lei 9.307/96 (LGL\1996\72), impõe-se uma obrigação legal aos árbitros de revelarem qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência. Com efeito,essa terminologia aberta e subjetiva alarga o conceito do que deve ser (ou não) revelado pelo árbitro.

Vale mencionar que a principal premissa da arbitragem, principalmente no que diz respeito ao momento de indicação do árbitro, consiste na confiança das partes no julgador. Trata-se de uma confiança de que ele, independentementede quem o indique, exercerá o seu papel calcado nas premissas básicas do instituto da arbitragem, que preconizam a imparcialidade e a independência. A esse respeito, no caso Abengoa v Adriano Ometto, melhor explicado adiante, o Ministro João Otávio de Noronha asseverou que o termo “confiança”, expresso na Lei 9.307/
96 (LGL\1996\72), denota“a aceitação de indicado pela parte adversa e de quem não tenha razão para desconfiar”, uma vez que, “[d]ada sua origem contratual, a arbitragem põe em relevo a confiança fiducial, que, na estrutura jurisdicional, mostra-sepresumida.”

Embora praticamente todas as legislações e todos os regulamentos arbitrais imponham aos árbitros o dever de revelar fatos e circunstâncias que podem suscitar dúvidas quanto à sua imparcialidade e independência, são determinações gerais e genéricas que obrigam o julgador a revelar, mas não esmiúçam o que deve ser revelado equais são as situações limitadoras.

No geral, estabelecem que não poderia atuar como árbitro (e deveria declinar da indicação ou ser recusado) alguém que, sob o ponto de vista de um “terceiro razoável” pudesse dar azo a essas dúvidas justificáveis.

Cite-se, como exemplo, o que é praticado nas arbitragens do International Centre for Settlement of Investment Disputes (ICSID), em cujo regulamento, mais precisamente no seu Art. 6(2)(b), estabelece-se que as situações relevantes para revelaçãos ão aquelas que possam possibilitar que “uma parte” tenha dúvidas sobre um julgamento independente.

No âmbito internacional, para se preencher a lacuna existente da incerteza quanto ao dever de revelação dos árbitros, há uma tendência crescente de elaboração de parâmetros específicos para a condução dos procedimentos arbitrais, a partir das soft laws, que, muito embora não criem vínculo normativo, produzem efeitos concretos aos destinatários.

Nesse contexto, a International Bar Association (IBA), por meio do seu comitê de arbitragem, formulou Diretrizes, que adquiriram força e peso consideráveis, porque refletem um entendimento geral dentro da comunidade arbitral a respeito do que pode comprometer a imparcialidade e a independência do julgador. Assim, quando da tomada de decisões sobre potenciais nomeações e revelações, os árbitros costumam consultar as Diretrizes da IBA.

Embora contenham enumerações não taxativas, as Diretrizes da IBA são organizadas por três listas que, a depender de cada caso, suscitam dúvidas justificáveis a respeito da imparcialidade e independência do julgador. Assim, assituações podem ser previstas como “(i) situações que não merecem qualquer revelação (‘Green List’ ou Lista Verde); (ii) outras que, a depender das circunstâncias específicas, podem dar ensejo a (sic) dúvida justificável e, por isso, há recomendação de revelação(‘Orange List’ ou Lista Laranja); e, por fim, (iii) aquelas que dão ensejo a dúvidas justificáveis quanto à imparcialidadee independência de maneira objetivamente considerada (‘Red List’ ou Lista Vermelha).”

As Diretrizes da IBA chegam a ir além de muitos regulamentos de arbitragem, ao exigirem, no seu item 7(a), que as partes informem as relações diretas ou indiretas mantidas com os árbitros. Ou seja, cabem às partes fornecerem ao julgador elementos suficientes para que a checagem de conflitos se realize de forma detalhada e adequada, sob pena de não se poder reclamar no futuro sobre aquele determinado aspecto. Isso ganha fundamental relevância no cenário atual, em atenção aos deveres das partes e dos advogados de atuarem de boa-fé.

A esse respeito, ressalta-se que a necessidade de se investigarem as prováveis situações de impugnação de árbitro em razão da não revelação do julgador ganha relevância, principalmente porque a falha no dever de revelação pode servir como fundamento para a anulação de sentença arbitral, com fundamento no artigo 32, inciso II, da Lei 9.307/96(LGL\1996\72).

Como decorrência do papel central que a autonomia da vontade exerce no sistema arbitral, tem-se a necessidade de haver confiança das partes no árbitro, situação que assegura a higidez e a idoneidade do processo. Cumpre mencionar que, ao traçar a evolução histórica da arbitragem, uma das grandes vantagens do método era justamente a confiança exercida pelas partes no julgador, já que as partes se dirigiam voluntariamente a um terceiro de confiança, para que resolvesse de forma definitiva aquele conflito, “cumprindo as partes
bona fide o preceito ditado pelo árbitro”.

Nesse sentido, algumas decisões em arbitragens internacionais seguem o caminho da relevância do dever de revelação para o procedimento arbitral, uma vez que a falha nesse dever pode acentuar a dúvida gerada pelo fato não revelado, a ponto de, potencialmente, torná-la suficientemente justificada para fundamentar a impugnação do árbitro.

3. As consequências da quebra do dever de revelação: do árbitro à arbitragem

Tendo sido delineado anteriormente o conceito do dever de revelação dos árbitros, bem como as orientações acercada sua aplicação e interpretação, cabe, nesta seção, destrinchar os impactos que a quebra do referido dever suscitam tanto no processo arbitral, como na própria esfera individual do árbitro. Como é sabido, qualquer dever que não possua a sua respectiva sanção – desde que proporcional à obrigação legal – poderá resultar na sua ineficácia.

Não pode, todavia, a sanção, ser muito branda ou exagerada em demasia,sob pena ou do estímulo ao descumprimento do dever, ou do desuso do instituto da arbitragem pelo excesso de rigor. Assim como falhas no exercício dos deveres do juiz togado podem importar consequências processuais, materiais e éticas, o mesmo pode ocorrer para o árbitro, porém, com alcance e substância distintos.

Sendo assim, nas linhas seguintes, abordam-se as repercussões que a quebra do dever de revelação implica no processo arbitral e na figura do árbitro. Como já explicado anteriormente, o árbitro possui o dever de revelar qualquer fato que possa gerar dúvida, do ponto de vista das partes, quanto à sua imparcialidade ou independência. Nesse contexto, a quebra do dever de revelação ocorre quando o árbitro falha em expor fatos, no momento e forma devidos, que poderiam suscitar às partes “dúvidas justificáveis sobre sua imparcialidade ou independência”.

Violar o dever de revelação, portanto, significa pura e simplesmente não tornar conhecido o que deveria ter sidorevelado sobre o conteúdo e nos momentos devidos.

Ocorre, contudo, que a quebra do dever de revelar não pode ser analisada de forma rasa, como um mero silogismo, de modo que a ausência de revelação de informação relevante para uma das partes desague imediatamente na configuração questão da falta de imparcialidade do árbitro. Nada impede, por exemplo, que a simples violação do dever de revelação pelo árbitro – de forma culposa ou dolosa – impacte imediatamente na imparcialidade do árbitro. Nem sempre essa quebra implica que este tenha agido com parcialidade. Ademais, ainda que ele assim tenha agido,convém se analisar o grau de relevância da informação não revelada, para que isso não enseje uma desnecessária anulação de sentença arbitral.

O dever de revelação é um dever autônomo que merece ser analisado como tal; pode-se até não se entender por uma ou outra sanção pela violação no caso concreto, em razão de circunstâncias e condições específicas, porém, a violação terá ocorrido pela falta de revelação no momento e na forma devidos.

Ainda sem se querer entrar, neste momento, nos meandros da análise substancial da quebra do dever de revelação, é importante observar as consequências (sanções) que a a ludida violação pode resultar dentro do processo arbitral e no campo da responsabilidade do árbitro. O conhecimento dessas consequências faz-se necessário justamente para se ponderar o que será trabalhado mais adiante: a não revelação de algum fato, que não tire a imparcialidade do árbitro,é motivo concreto para a anulação de uma sentença arbitral, por exemplo?

Desse modo, passa-se a abordar as consequências que a quebra do dever de revelação do árbitro consideradoparcial e/ou dependente enseja dentro do processo arbitral e para o árbitro. Explora-se esse ponto sob a ótica deduas vertentes: a) as sanções materiais (responsabilidade civil do árbitro); e b) as sanções processuais (impugnaçãodo árbitro e anulação da sentença arbitral).

No tocante às sanções materiais, é curioso observar que na Lei de Arbitragem brasileira, muito embora por diversas vezes se preveja a equiparação dos árbitros aos juízos, não se estabelecem sanções específicas ao árbitro para a hipótese de violação do dever de revelação. Em sentido contrário, por exemplo, está o direito italiano. O Código de Processo Civil italiano de 1940 (Codice diProcedura Civile) prevê, desde a reforma de 2006, um dispositivo especificamente destinado a regular a responsabilidade civil do árbitro.

Diante da lacuna encontrada na legislação brasileira, e considerando-se que a arbitragem é um negócio jurídico,deve-se analisar as implicações das sanções materiais sob o prisma da responsabilidade pré-contratual e contratual, afinal, como ensina o jurista Dario Alessi: “the arbitrator as a contracting party is to be held liable for breaches of the contract she has agreed to enter into”.

Nesse sentido, tem-se a seguinte lição de Ricardo Dalmaso Marques: “A responsabilidade pré-contratual do árbitro ocorre quando ainda não se ‘está’ árbitro para aquela causa, e o proposto julgador ‘oculta parte dos nexos que o unem a um dos litigantes ou a outros intervenientes no processo’; nessa situação, está-se falando de verdadeira responsabilidade pré-contratual, em que poderá o julgador ser responsabilizado por falhar no dever de informação, que deve ser balizado pelo princípio da boa-fé objetiva e pela confiança (legítima expectativa) que se cria no outro contratante.

E, de outro lado, se já durante o processo arbitral, estar-se-á diante de responsabilidade contratual, porquanto já se encontrará celebrado o contrato de investidura entre partes e o árbitro. Em ambos os casos, sobretudo, lembremos que não se trata de atividade jurisdicional do árbitro, pois o dever de revelação não é em si um ato jurisdicional – o que significa que seria necessária a verificação apenas de descumprimento pré-contratual ou contratual, na modalidade de responsabilidade subjetiva. O dever de revelação é exercido por um indivíduo que exerce jurisdição, mas ele não se trata de um ato jurisdicional em si, e, por isso, aanálise sob o ponto de vista da lei material é de rigor.”

O fato é que, se o árbitro não cumpre com os seus deveres e obrigações surgidos a partir do vínculo contratual com as partes, ele deve indenizar os prejudicados. A responsabilização civil pela violação do dever de revelação, por informação faltante no início (responsabilidade pré-contratual) ou durante o processo arbitral (responsabilidadecontratual), situa-se na modalidade subjetiva e, ainda, demanda outro requisito cogente da responsabilização civil: a ocorrência de efetivos danos.

Sendo assim, considerando-se que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé”, deve-se demonstrar não só que o dever de revelação não foi cumprido, como também que a ausência deste ocasionou danos para uma ou ambas as partes.

É importante destacar ainda que, no caso de sanção material, não se faz necessário demonstrar que o árbitro não cumpre os requisitos de imparcialidade e independência, pois a quebra do dever de revelação, por si só, e desde que acarrete danos, é suficiente para responsabilizar civilmente o árbitro.

No que diz respeito às sanções processuais, há duas possibilidades: a) a impugnação do árbitro; e b) a anulação da sentença arbitral. A questão que se coloca como problemática – e que se tentará responder na seção seguinte – é definir quais fatos são relevantes ou suficientes para, caso omitidos, levarem a alguma das sanções citadas.

Ao contrário das sanções materiais, a previsão para impugnação do árbitro pode ser encontrada nos artigos 15, 16 e20 da Lei 9.307/96 (LGL\1996\72). É importante destacar, inclusive, que neste procedimento paralelo não se instauraum contencioso entre partes e árbitros. É procedimento peculiar, pois o árbitro não apresenta uma defesa, mas presta informações referentes aos fatos suscitados como motivadores de impedimentos.

Ainda que se deva impor ônus da prova mais elevado à parte que faz a afirmação de parcialidade do árbitro em momento adiantado do processo, o afastamento poderá ocorrer se verificado que o árbitro deixou de revelar fato que comprometa a aparência de poder julgar de forma equidistante.

Como ensinam os autores Stephen K. Huber e Maureen A. Weston, os árbitros gozam de uma presunção de imparcialidade (a confiança), mas, quando falham no dever de revelação, têm essa presunção invertida, e com ela também o ônus da prova, passando-se, assim, a uma presunção relativa de que o árbitro é parcial.

Quando se trata da anulação da sentença, por sua vez, a dilação probatória necessária para fundamentar o pedido torna-se mais difícil. Isso, porque é preciso demonstrar que o fato não era ou não poderia ser conhecido pelas partes,e a falta de informação teria efetivamente comprometido a aparência de um julgamento imparcial.

Muito embora a violação do dever de revelação não conste ipsis litteris no rol de nulidades da sentença arbitral, o fundamento pode ser extraído a partir da interpretação sistemática feita do artigo 32, incisos II, no qual se dispõe quea sentença será nula se emanada por aquele que não podia ser árbitro, e VIII, no qual se prevê a nulidade da sentença quando for desrespeitado o princípio da imparcialidade do árbitro, ambas da Lei de Arbitragem.

Ressalta-se, inclusive, que essa interpretação faz sentido também sob o ponto de visto contratual, porquanto, como visto, a falta de informações essenciais ao negócio pode dar azo à invalidação do negócio jurídico.

Nesse contexto, considerando-se as consequências apontadas até o momento, o dever de revelação não pode ser banalizado, nem utilizado como fundamento para táticas de guerrilhas, devendo, portanto, ser observado como um instrumento para verificação da imparcialidade e independência do árbitro, e não como um fim em si mesmo. Como será defendido adiante, o dever de revelação do árbitro não pode ser ilimitado, e sua violação não contamina deimediato todo o processo arbitral, devendo-se analisar o contexto e as implicações dos fatos que foram e dos que também não foram revelados.

4. Da análise do dever de revelação do árbitro
O tema do dever de revelação do árbitro tem chamado a atenção na comunidade arbitral, principalmente, considerando-se que a falha nesse dever pode servir como fundamento para a anulação de sentença arbitral ou como resistência para homologar uma sentença arbitral estrangeira. Para a melhor compreensão do que ora se expõe, éimprescindível abordar, primeiramente, no que consiste essa falha.

Ricardo Dalmaso Marques defende que a falha no dever de revelação é verificada quando existe: “(a) a falta de revelação, (b) uma revelação aquém no conteúdo, ou (c) intempestiva, entendida como aquela que, com conteúdo adequado ou não, é feita fora do prazo estabelecido para tanto, seja no início ou durante o processo arbitral.”

Todavia, é imprescindível ressaltar que os conceitos de imparcialidade e de revelação não podem ser confundidos, de modo que a simples não revelação não deve configurar, de imediato, a imparcialidade do julgador. Isto porque, para invalidar uma sentença arbitral, deve-se verificar também se a falha no dever de revelar seria suficiente para acarretar consequências para o processo ou para o árbitro. Ora, a simples falha no dever de revelação, isoladamente, pode não significar absolutamente nada, sendo necessário levar em conta que “o conflito de interesses é justificado e, portanto, existente, quando for significativo, substancial e efetivo, a gerar a incompatibilidade com a missão de árbitro e o cumprimento do objeto do contrato de investidura: o ato de julgar.”

Há quem defenda que o dever de revelação não deve ser imposto ao julgador de forma ilimitada e indistintamente. Conforme o professor Carlos Alberto Carmona esclarece, é inadequado impor que o árbitro revele absolutamente todos os fatos que possam guardar relação, ainda que indireta, com os sujeitos do processo e com o objeto da demanda. Isto, porque haveria uma inversão do seu papel, tornando suas atuações em verdadeiras due diligences antes de aceitar o encargo.

Nesse sentido, cabe pontuar que o Enunciado 110, aprovado na II Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, organizada pelo Conselho da Justiça Federal, chamou a atenção para a seguinte questão: “A omissão do árbitro em revelar às partes fato que possa denotar dúvida quanto à sua imparcialidade e independência não significa, por si só, que esse árbitro seja parcial ou lhe falte independência, devendo o juiz avaliara relevância do fato não revelado para decidir ação anulatória.”

Portanto, o que se pode extrair do referido Enunciado é que a simples não revelação não tem o condão, por si só, de acabar com a presunção de imparcialidade e independência do árbitro. Outrossim, as partes, em decorrência do poder de investigação que possuem, disciplinam um papel importante nomomento das revelações dos árbitros, uma vez que a sua inércia no momento de investigação pode acarretar potencial preclusão quanto ao seu direito futuro de impugnar um árbitro. Inclusive, a respeito desse poder investigatório, o Enunciado 92, destacado pelo Conselho da Justiça Federal, dispôs que cabe às partes colaborarem com o dever de revelação, devendo solicitar aos árbitros informações precisas sobre os fatos.

Com efeito, é de se considerar que o dever de revelação não deve ser transformado em um objetivo em si mesmo, uma vez que a sua função é instrumental para assegurar a imparcialidade e a independência. Portanto, existe a necessidade de cautela com o aumento injustificado da extensão do dever de revelação do árbitro. Nas palavras de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, a eventual obrigação de revelar todo e qualquer fato que possa gerar dúvida sobre a sua imparcialidade e independência poderia resultar em um natural aumento do número de impugnações às nomeações dos árbitros, utilizando-se as partes desse subterfúgio para procrastinar o início do procedimento arbitral. Assim, poderia ocorrer um desvirtuamento do dever de revelação, o que se traduziria na insegurança do procedimento arbitral.

É óbvio que o árbitro deve revelar todo e qualquer fato que julgue relevante e que possa causar dúvidas justificadas quanto à sua imparcialidade ou independência. Porém, o que se defende, para fins deste trabalho, é que a simples não revelação, por si só, não deve ser hábil a acarretar a impugnação do árbitro inadimplente com o seu dever ou, pior, fundamentar a anulação de uma sentença arbitral.
A esse respeito, cumpre trazer o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que deu provimento ao apelo de anulação de sentença arbitral em razão da falha no cumprimento do dever de revelação por parte do Professor Cristiano Zanetti, Presidente de um Tribunal Arbitral.

A falha teria consistido na ausência do dever de revelação do árbitro de assunção de um novo encargo de árbitro em outra arbitragem que, segundo o autor da ação anulatória, consistiria em procedimento relacionado àquele objeto da ação anulatória. Considera-se, neste artigo, que não se pode concordar com o entendimento extraído do acórdão. Isto porque, dentre outros pontos, considerou-se que a mera falha no dever de revelação seria causa suficiente para anulação da sentença arbitral. Contudo, considerar a nulidade de uma sentença arbitral, sem buscar a presença de um elementosubjetivo que demonstre a parcialidade do julgador, submete o dever de revelação ao favorecimento de métodos procrastinatórios e atentatórios do procedimento arbitral.

Ora, é necessário um “nexo causal direto e necessário entre falha no dever de revelação e parcialidade (ou suspeição) do árbitro”, sob pena de qualquer violação do dever de revelação, ainda que irrelevante para a solução jurídica, ocasionar automaticamente a anulação de sentença arbitral.

Cabe pontuar que essa invalidação “automática” das sentenças arbitrais, tão somente pela constatação da falha no dever de revelação do julgador, tem sido vista com certa “frequência” no contexto jurídico brasileiro. Imagina-se que tal realidade tenha se dado muito em razão do caráter genérico atribuído pela legislação de arbitragem brasileira em relação ao standard de prova exigido para a anulação da sentença, com base na parcialidade ou dependência do julgador.

De outro modo, a legislação americana, por sua vez, a partir do Federal Arbitration Act, garante mais solidez à impugnação do árbitro por falha no dever de revelar, uma vez que é menos genérica do que várias outras legislações. Isto, porque exige um pesado ônus de demonstrar que o árbitro agiu com evidente parcialidade. Assim, ao exigir acomprovação da parte interessada de evident partiality para que se declare a nulidade da sentença, há uma tendênciabem menos frequente de impugnação de sentenças arbitrais com fundamento na falha do dever de revelação do árbitro.

É indubitável que o dever de revelação é instrumental para garantir a imparcialidade latu sensu, evitando que a falta de informações ocasione uma eventual aparência de parcialidade do julgador. Porém, não se pode aferir a sua violação de forma dissociada da imparcialidade.

Inclusive, há situações em que a violação do dever de violação não impacta a atividade do julgador, o que leva a concluir que o dever de revelação e a imparcialidade não devem ser examinados como se um só elemento fossem.

A esse respeito, cabe mencionar o caso Abengoa v. Adriano Ometto, em que a Court of Appeals for the Second Circuit, nos Estados Unidos, “decidiu que a falha do árbitro em investigar e revelar a relação de seu escritório com empresas do grupo de uma das partes havia ocorrido, mas não impactaria a imparcialidade do julgador no caso específico.”

No citado caso, buscou-se a anulação das sentenças arbitrais, proferidas em território americano, com fundamento no fato de que o presidente do tribunal arbitral teria deixado de revelar que o escritório do qual é sócio, Debevoise &Plimpton LLP, havia atuado em favor de outras empresas do grupo Abengoa e que o escritório havia recebido mais deUS$ 6,5 milhões do grupo em honorários. Assim, alegaram, nos autos da ação anulatória proposta em Nova Iorque, a violação ao dever de revelação e que estaria presente a evident parciality, nos termos da
Federal Arbitration Act.

Todavia, a decisão foi pela não anulação da sentença, considerando que embora o fato não tivesse sido revelado, não havia provas de que a “representação de empresas do grupo econômico de uma das partes em outros negócios por outros sócios do mesmo escritório do árbitro tivera o condão de afetar a sua imparcialidade nos dois processos arbitrais.”

Assim, no referido caso, considerou-se que não havia dúvidas da existência da falha no dever de revelar do árbitro, pelo contrário, essa violação consistiu em premissa para a apreciação judicial da falha, todavia, essa falha não foi suficiente para tirar o caráter de imparcialidade do julgador, haja vista que foram dois critérios analisados separadamente.

De modo contrário, em juízo de delibação, o Superior Tribunal de Justiça denegou a homologação dessas sentenças arbitrais estrangeiras oriundas do caso Abengoa v. Adriano Ometto, no território brasileiro. A Corte destacou que “aprerrogativa da imparcialidade do julgador é uma das garantias que resultam do postulado do devido processo legal, matéria que não preclui e é aplicável à arbitragem, mercê de sua natureza jurisdicional.”

Nesses termos, a Corte entendeu que a inobservância dessa prerrogativa ofendia, diretamente, a ordem pública nacional brasileira, e os árbitros deveriam respeitar religiosamente as disposições contidas na lei nacional a esse respeito.

Com isso, muito embora o judiciário americano não tenha considerado o fato não revelado capaz de anular assentenças arbitrais, o judiciário brasileiro, de modo contrário, vislumbrou a presença de elementos objetivos aptos a comprometer a imparcialidade e independência do árbitro presidente, que não foram revelados como determina a lei. Dessa forma, o STJ decidiu por não homologar as sentenças arbitrais, em respeito aos arts. 13, 14, caput e § 1º, 32, IIe IV, 38, V, e 39, II, da Lei 9.307/1996 (LGL\1996\72) (Lei de Arbitragem).

Na linha de pensamento americana, cabe mencionar que a jurisprudência francesa se consolidou no sentido de não considerar nula uma sentença arbitral pelo simples fato de o árbitro ter falhado no dever de revelação. Os tribunais franceses passaram a exigir que a parte interessada na anulação da sentença traga provas que demonstrem a relevância dos fatos não revelados para a imparcialidade ou independência do julgador. Antes, esse onus probandi não era necessário. Vale mencionar que essa mudança jurisprudencial contribuiu por tornar o judiciário francês mais seguro e previsível, o que, por conseguinte, vem influenciando as partes internacionais quando da escolha da França como sede de arbitragens. A esse respeito, o Professor Charles Jarrosson enfatizou que esse novo entendimento francês contribuiu muito para a arbitragem local, porque torna desnecessário que o árbitro conte tudo da sua vida pessoal.

Nesses termos, é de se apontar que a prática internacional sugere que não basta o mero risco de haver a parcialidadedo árbitro, mas existe a real necessidade de se provar a situação em que ocorreu a parcialidade ou a dependência dojulgador.

Para além disso tudo, enfatiza-se que esse ônus de revelação não deve recair unicamente em desfavor do árbitro. Isto, porque existe também a necessidade de as partes revelarem as informações necessárias para que o árbitro realize a sua revelação. Ora, não se trata de retirar ônus do dever de revelar do julgador, mas de ressaltar a importância da revelação também pelas partes, uma vez que certas revelações dos árbitros podem depender disso.

Ademais, questiona-se se a eventual possibilidade de as partes conhecerem – ou deverem conhecer – o fato não revelado não supriria eventual falha de violação pelo árbitro. Ora, “a exigência que a lei faz aos árbitros é que digam oque não é conhecido”. Portanto, quando se retira a obscuridade de um fato, ou seja, quando aquela informação é“pública” o suficiente para que a parte tenha – ou deva ter – conhecimento, é de se entender que o não disclosure desse fato público e/ou de fácil acesso não ocasionaria qualquer violação ao dever do árbitro.

Dessa forma, pode-se dizer que cabe ao árbitro investigar se o fato é de ciência efetiva ou provável das partes, e cabe às partes o dever de revelar o que deve ser trazido ao conhecimento do julgador para que este realize todas as revelações necessárias e imprescindíveis para o desfecho da demanda. Embora se saiba que é um trabalho mais fácil para o árbitro revelar o fato do que exigir que as partes o busquem sozinhas, não se pode conceber que o árbitro realize a atividade de revelação indistinta e ilimitadamente, sob pena de que esse dever nunca seja satisfatório e aparte derrotada sempre encontre um caminho para alegar a invalidação da sentença.

Contudo, esse dever de investigação das partes tem limite no campo da razoabilidade. Inclusive, sabe-se que existem fatos que, embora sejam públicos, não poderiam ser de fácil conhecimento das partes, se não com a prévia revelação do árbitro. Portanto, acredita-se que caiba ao árbitro realizar uma tarefa de ponderação a respeito dessas informações, se é mais fácil que ele simplesmente revele o fato ou que exija das partes que façam as buscas nesse sentido. Conforme Thomas Clay ressalta, a publicidade de uma informação não retira o fato do escopo de revelação do árbitro.

Merece consideração a hipótese do árbitro que tenha tido atuação, passada ou presente, em outras arbitragens como árbitro ou advogado. Nessas situações, é comum que as câmaras arbitrais, por meio de seus regulamentos ou a partir de preenchimento de formulários, obriguem os árbitros a revelarem atuações prévias, evitando, assim, que futuras invalidações de sentença sejam levantadas em razão da violação ao dever de revelar do árbitro.

Cabe mencionar também a existência da prática dos advance waivers, que se trata de uma solicitação dos árbitros para que as partes renunciem ao seu direito de contestar o árbitro, se ele ou ela, ou seu escritório de advocacia, tiver um conflito de interesses no futuro. É uma prática que tem sido adotada por alguns árbitros a fim de que se evitem anulações de sentenças por eventuais falhas no dever de revelação dos árbitros, quando as partes já gastaram tempo e dinheiro consideráveis com o procedimento arbitral.

Trata-se de mecanismo que se fundamenta na autonomia privada das partes em renunciar o seu direito de challenge (desafiar) um árbitro em razão de uma eventual violação do dever de revelar. Em uma análise perfunctória, essa solicitação encontraria limitação de um lado, pela noção de ordem pública e, de outro, pelas leis imperativas brasileiras. Todavia, encontra respaldo nas jurisprudências americana e inglesa. No caso Halliburton v. Chubb, a UKSupreme Court decidiu que, muito embora exista um dever de revelação do árbitro implícito na English Arbitration Act, a Corte concluiu que as partes podem realizar livremente essa renúncia, fundamentada na importância do princípio daautonomia das partes.

De modo contrário, Jayavardhan Singh, ao comentar esse caso, defende que o dever de revelação não existe em benefício das partes e, portanto, não cabem às partes renunciar esse direito. Ademais, ao criticar o citado precedente, entende que o dever existe, porque a adjudicação por um tribunal justo e imparcial é um elemento de ordem pública e um requisito indispensável do Estado de Direito.

Curiosamente, as Diretrizes da IBA reconhecem o uso dos advance waivers, porém, não toma qualquer posição conclusiva sobre a sua validade, e deixa essa questão para ser determinada pelo “texto específico” da renúncia, pelas normas e leis aplicáveis. Da mesma forma, até mesmo o Relatório do Comitê de Disputas Comerciais Internacionais da Ordem dos Advogados da Cidade de Nova York simplesmente afirma que “o Comitê não endossa nem rejeita o uso de isenções antecipadas, mas busca encorajar um maior diálogo e consideração de uma tendência existente”.

Nota-se, portanto, que a prática arbitral se volta a mecanismos para evitar as alegações de invalidação de sentenças arbitrais com fundamento na violação do dever de violação.

Nesse sentido, muito embora se sustente a relevância do dever de revelação para a prática arbitral, deve-se levar em conta a prevalência de um procedimento arbitral livre de insegurança devido a um possível desvirtuamento do dever de revelação em uma função injustificada. Sustenta-se, portanto, um indispensável nexo de causalidade entre o fato não revelado e a parcialidade do árbitro, para fins de anulação de sentença arbitral.

5. Considerações finais
Os questionamentos suscitados pelas consequências que podem advir em razão da quebra do dever de revelação do árbitro ilustram a importância da constante renovação dos estudos tanto dos deveres impostos aos árbitros quanto das sanções para o seu descumprimento. A partir dessa reflexão, no presente estudo, buscou-se, preliminarmente, delimitar critérios para a adequada compreensão do papel desempenhado pelo dever de revelação no plano geral de deveres do árbitro.

Objetivou-se analisar o dever de revelação sob o prisma de instrumento necessário para se examinar a capacidade do árbitro decidir o litígio posto sob sua reponsabilidade com imparcialidade e independência. Na sequência, aferiram-se as consequências da constatação da parcialidade e dependência do árbitro não só dentro do processo arbitral (sanções processuais), como também na esfera individual do árbitro (sanções materiais). A análise permitiu esboçar conclusão no sentido de que o dever de revelação imposto ao árbitro, se exigido de forma ilimitada, além de tornar o processo arbitral mais moroso e complexo, abre espaço para táticas de guerrilha das partes.

Mais que isso, dentro de um contexto em que a omissão de uma informação irrelevante para o julgamento imparcial do litígio possa ensejar uma responsabilização civil do árbitro, ou pior, a anulação do processo arbitral, faz-se necessária a análise substancial da quebra do dever de revelação, ou seja, observar se a violação do dever de revelação não contamina de imediato todo o processo arbitral, assim como do contexto e das implicações dos fatos que foram e dos que também não foram revelados.