AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE A REFORMULAÇÃO DAS REGRAS DE OFERTAS PÚBLICAS DE VALORES MOBILIÁRIOS

AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE A REFORMULAÇÃO DAS REGRAS DE OFERTAS PÚBLICAS DE VALORES MOBILIÁRIOS

A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) colocou em audiência pública extensa reformulação da regulamentação aplicável às ofertas públicas de valores mobiliários no Brasil.

A proposta de modificação deste regime já integrava a agenda regulatória da autarquia desde 2019 e foi fruto de um longo processo de discussão e amadurecimento prévio à sua divulgação ao mercado, e é materializada em 3 minutas de Resoluções divulgadas no Edital de Audiência Pública SDM nº 02/2021 (“Edital”).

A primeira destas minutas contém o novo regramento geral para ofertas públicas.  Em um panorama geral, a Minuta A de resolução contida no Edital estabelece quais ofertas de valores mobiliários estariam isentas de registro e, como tal, não demandariam observância de quaisquer regras que venham a ser aprovadas para as ofertas públicas; e quais as ofertas públicas estarão sujeitas a registro perante a CVM.

Estas últimas se dividem em dois grandes grupos.  O primeiro deles é o das ofertas públicas sujeitas a registro automático perante a CVM, concedido mediante o simples protocolo dos documentos exigidos para sua instrução e sem a necessidade de análise prévia da autarquia.  Estas encontram um paralelo imperfeito nas ofertas públicas com esforços restritos de distribuição, ou “ofertas restritas”, no jargão de mercado, hoje regidas pela Instrução CVM nº 476, de 16 de janeiro de 2009.

Este registro automático sem análise da CVM pode demandar, por seu turno, a prévia análise de entidade autorreguladora conveniada à CVM, em um paralelo igualmente imperfeito com o procedimento simplificado para registro de ofertas públicas de valores mobiliários previsto na Instrução CVM nº 471, de 8 de agosto de 2008, que seria revogada com a edição das resoluções propostas pelo Edital.

O segundo grupo é o das ofertas públicas sujeitas ao chamado rito ordinário, pelo qual a CVM realizaria análise da oferta pública previamente à concessão do registro – em um paralelo aproximado com o regime hoje estipulado para as ofertas públicas registradas perante a autarquia na forma da Instrução CVM nº 400, de 29 de dezembro de 2003.

Neste contexto, as chamadas “ofertas restritas” deixariam de existir, com a integral revogação da Instrução CVM nº 476/09.  Estas ofertas restritas permitem o acesso um público-alvo restrito – até 50 investidores profissionais podem subscrever os títulos ofertados, de um total de até 75 procurados – e estão sujeitas a severas restrições dos mecanismos de acesso a esse público, em contrapartida à dispensa automática de registro perante a CVM.

Em substituição a essa dispensa, a CVM propõe criar um mecanismo de registro automático de ofertas públicas segmentado de acordo com as características do emissor, dos valores mobiliários ofertados e do público-alvo a que se destinam os títulos. 

Desta forma, grosso modo, os títulos que atualmente são distribuídos em ofertas restritas passariam a ser objeto de uma oferta pública sujeita ao registro automático na CVM, concedido no momento do protocolo dos documentos requeridos para tal registro e sem a necessidade de prévia análise pela autarquia.

A partir do requerimento em questão, seria permitido ao ofertante e aos intermediários utilizarem amplos meios de publicidade – o que hoje é vedado.  Também deixaria de ser aplicável qualquer restrição numérica de investidores procurados ou aceitantes, assim como o hoje necessário hiato de 4 meses entre o encerramento de uma oferta restrita e o início de uma nova.

O requerimento acima referido seria instruído apenas com um formulário eletrônico de pedido de registro da oferta – cujo conteúdo não é declinado na minuta de Resolução, mas que a CVM afirma no Edital que será sucinto e similar às informações que já são hoje demandadas no âmbito das ofertas restritas – e com o comprovante do pagamento da taxa de registro devida à CVM, cobrança que atualmente não se aplica às ofertas restritas.  

Igualmente, estas ofertas objeto registro automático passariam a estar sujeitas à divulgação de aviso ao mercado (quando aplicável), de anúncio de início e de anúncio de encerramento, assim como aplicar-se-iam a elas diversas outras regras atualmente inaplicáveis às ofertas restritas, tais como aquelas relativas a emissão de lote adicional de valores mobiliários, de conteúdo mínimo do contrato de distribuição, regras sobre material publicitário, dentre outras.

Nesta mesma tônica de flexibilização, mediante preparação e apresentação à CVM de prospecto e lâmina da oferta pública e quando destinadas exclusivamente a investidores qualificados, também estariam sujeitas ao registro automático sem necessidade de prévia análise da CVM e sem necessidade de análise prévia de entidade autorreguladora conveniada as ofertas públicas: (i) de títulos de securitização, (ii) iniciais (IPO) e subsequentes (follow on) de fundos de investimento fechados, (iii) subsequentes de ações; (iv) de títulos de dívida emitidos por companhias abertas categorias A ou B em fase operacional; e (v) debêntures de infraestrutura sujeitas ao regime disposto na Lei nº 12.431/11 emitidas por sociedade de propósito específico.

Atualmente, para realizar as ofertas públicas acima relacionadas para investidores qualificados, é necessário o prévio registro na CVM, com sua análise prévia, podendo ser aplicado, em alguns dos casos acima referidos, o procedimento simplificado descrito na Instrução CVM nº 471/08.  Uma vez aprovada a Resolução que constitui a Minuta A do Edital, haveria a concessão automática e imediata de registro mediante apresentação do prospecto e lâmina, sem necessidade de prévia análise quer pela CVM, quer por entidade autorreguladora conveniada.

Falando sobre o prospecto, seu conteúdo também é objeto de sugestão de reformulação.  A CVM busca simplificar e tornar mais objetivo o conteúdo deste documento, criando 4 modelos básicos de prospecto aplicáveis a (i) ofertas de ações; (ii) ofertas de títulos de dívida; (iii) ofertas de títulos de securitização e (iv) ofertas de cotas de fundos fechados.

Outra inovação seria a exigência de elaboração, divulgação e protocolo perante a CVM da lâmina, um documento informativo a respeito da oferta com conteúdo padronizado e resumido, que objetiva ser um mecanismo útil para conferir as informações essenciais para tomada de decisão de investimento nos valores mobiliários ofertados.  

A linha mestra que informa a criação deste documento é o reconhecimento de que os prospectos, tais quais hoje regulados, se transformaram em verdadeiros colossos informacionais, pouco úteis à sua precípua finalidade de mitigar a assimetria informacional entre ofertante e investidor. São tantas e tão extensas as informações contidas no documento que, no fim das contas, sua análise exaustiva e sua utilização como mecanismo de subsídio à decisão de investimento se mostra pouco factível.

Não se propõe extinguir, todavia, a existência de análise prévia do pedido de registro de oferta pública pela CVM.  Esta análise continuaria sendo aplicável para as seguintes ofertas, que se sujeitariam ao chamado rito ordinário: 

  1. oferta inicial de ações (IPO) de companhias abertas em fase pré-operacional;
  1. oferta inicial de ações (IPO) de companhias abertas em fase operacional, quando não houver sido objeto de prévia análise por entidade autorreguladora conveniada; 
  1. oferta subsequente de ações (follow on) de companhias abertas em fase operacional destinada ao público em geral, quando não houver sido objeto de prévia análise por entidade autorreguladora conveniada; 
  1. oferta de títulos de dívida emitidos por companhias abertas em fase operacional e destinada ao público em geral, quando não houver sido objeto de prévia análise por entidade autorreguladora conveniada; 
  1. oferta títulos de securitização destinada ao público em geral, quando não houver sido objeto de prévia análise por entidade autorreguladora conveniada; 
  1. oferta inicial ou subsequente de cotas de fundos de investimento fechados destinada ao público investidor em geral, quando não houver sido objeto de prévia análise por entidade autorreguladora conveniada e 
  1. oferta inicial de distribuição de certificados de depósito de valores mobiliários destinada ao público investidor em geral no âmbito de programa de BDR Patrocinado Nível III.

Este rito ordinário passaria a ser consideravelmente mais célere do que o procedimento de registro atualmente regulado pela Instrução CVM nº 400/03.  Ao invés dos 40 a 50 dias úteis totais disponíveis para reações da CVM ao protocolo inicial e atendimentos de exigências (além dos extensos prazos concedidos aos próprios regulados para cumprimento de exigências), a autarquia passaria a dispor de um prazo total de 60 dias corridos, contados do protocolo da totalidade dos documentos requeridos, para conceder ou não o registro da oferta.

Outra inovação muito importante que integra o Edital é a criação do registro de intermediários de ofertas públicas perante a CVM.  Poderão pleitear este registro tanto instituições financeiras, quanto quaisquer outras sociedades que tenham por objeto social o exercício de intermediação de valores mobiliários, e que comprovem deter recursos humanos e tecnológicos compatíveis com seu porte e escopo de atuação, além de outros requisitos dispostos na proposta de norma. 

Estas instituições podem ser credenciadas por entidades que celebrem convênio com a CVM para este fim, hipótese em que o registro perante a CVM será automaticamente concedido. 

Os intermediários registrados perante a CVM deverão seguir as normas de conduta dispostas na Minuta B contida no Edital, pelas quais o regulador busca atribuir a estes agentes a responsabilidade – na condição de gatekeepers – de zelarem pela fiscalização e cumprimento das normas de ofertas públicas pelos envolvidos em tais transações, em especial tendo em vista a diminuição da atuação da CVM na análise prévia dos requisitos destas.

Esta previsão pode ter como efeito a ampliação expressiva do rol de instituições autorizadas a atuar como coordenadores de ofertas públicas de valores mobiliários, trazendo ainda mais competição a este mercado.

Notamos, por fim, que o presente texto aborda apenas os pontos de maior destaque no Edital, contudo não esgota tudo o que há de relevante no extenso regramento proposto.  

Os pormenores deste Edital serão melhor explorados em outros informes que serão divulgados por nossa área de Mercado Financeiro e de Capitais.  Além disso, nossa equipe de Mercado Financeiro e de Capitais está à disposição para esclarecimentos acerca do Edital e seus potenciais impactos em futuras transações.

O prazo para envio de comentários ao Edital se encerra em 8 de julho de 2021.

NÃO PERCAM: Em 30 de março de 2021, será transmitido em nosso canal no Youtube (www.youtube.com/vbsoadvogados) o webinar “Reformulação das Regras de Ofertas de Valores Mobiliários: o Futuro do Mercado de Capitais sob a ótica da CVM”, em que nossos sócios de Mercado Financeiro e de Capitais discutirão as principais inovações propostas no Edital 

Equipe de Mercado Financeiro e de Capitais – VBSO Advogados