CVM aprimora regra de securitização

CVM aprimora regra de securitização

Contexto
Desde a edição do Marco Legal de Securitização (Lei nº 14.430/22), os agentes econômicos atuantes neste mercado tinham uma tarefa importante ao estruturar suas operações: conciliar uma norma infralegal anterior (a Resolução CVM nº 60/21), editada em um contexto de legislação setorial e fragmentada, aos ditames de uma norma posterior e superior que passou a tratar esse tipo de transação de modo homogêneo e sistematizado.
Embora a Resolução CVM nº 60/21 tenha sido redigida já buscando um tratamento mais homogêneo entre os diversos títulos emitidos por veículos de securitização societários – isto é, companhias securitizadoras – a ausência de um marco legal que suportasse este tratamento equânime exigiu do regulador a previsão de regras específicas para operações com e sem regime fiduciário, por exemplo.
Deste modo, com o Marco Legal da Securitização em vigor, a Comissão de Valores Mobiliários pôde concretizar sua tarefa de mitigar assimetrias regulatórias entre os diferentes tipos de transação de securitização.
Regra de Revolvência: CRI é contemplado
Por exemplo, a Resolução CVM nº 194, editada em 17 de novembro de 2023, estendeu a todos os títulos de securitização a regra permissiva da revolvência, antes vedada às emissões de certificados de recebíveis imobiliários (“CRI”).
Este era expectativa importante do mercado, especialmente em vista do novo tratamento legal trazido pelo Marco Legal da Securitização que permitia a realização de tal extensão, inclusive gerando interpretação pertinente pela derrogação tácita da disposição proibitiva previamente existente na norma ora alterada.
Regra de Composição Temporal de Lastro (Ramp-Up)
Em relação ao momento de aquisição do lastro de títulos de securitização, o Marco Legal da Securitização trata diferenciadamente os certificados de recebíveis em relação aos demais títulos, pois apenas dos primeiros demandava que a efetiva aquisição dos direitos creditórios fosse realizada previamente à integralização de recursos pelos investidores.
No entanto, em que pese o tratamento legal mais elástico, a Comissão de Valores Mobiliários optou por estender a regra de ramp-up dos certificados de recebíveis aos demais títulos de securitização, tornando menos flexível a fixação do momento de aquisição do lastro em transações que envolvam a emissão de debêntures lastreadas em recebíveis, por exemplo.
Adicionalmente, estabeleceu que é responsabilidade da securitizadora zelar para que os direitos creditórios sejam identificados no instrumento de emissão e sejam adquiridos antes da integralização dos títulos de securitização, delimitando quem poderá ser responsabilizado em caso de descumprimento da regra de ramp-up aqui mencionada.
Concentração do Lastro por Devedor ou Coobrigado
Ainda, a regra de concentração máxima de 20% dos recebíveis lastreadores de responsabilidade de um mesmo devedor ou coobrigado passa a se aplicar a todos os títulos de securitização – anteriormente, as emissões que não fossem de CRI ou de certificados de recebíveis do agronegócio (“CRA”) não estavam sujeitas a este limite. Neste sentido, passa a haver, para os títulos de securitização que não sejam CRI ou CRA, um tratamento mais rígido ao anteriormente aplicável.
Destacamos também que, anteriormente à edição da nova regra, o lastro de CRI deveria obrigatoriamente observar o limite de 20% por devedor ou coobrigado, exceto em caso de devedor/coobrigado que fosse (i) companhia aberta; (ii) instituição financeira ou (iii) entidade com demonstrações financeiras elaboradas de acordo com a Lei nº 6.404/76 e auditadas por auditor independente registrado na CVM, independentemente do público-alvo da oferta pública.  Agora, o limite não precisa ser observado em emissões de CRI voltadas exclusivamente a investidores profissionais.
Por fim, as emissões de CRA passam a ter duas modificações em relação a limites de concentração:
(i) emissões para investidores não qualificados (usualmente denominadas de emissões para o “varejo”) anteriores à vigência da Resolução CVM nº 194/23 somente podem ter devedores ou coobrigados responsáveis por mais de 20% do lastro se fossem companhias abertas ou instituições financeiras; agora, também as entidades (p.ex. sociedades limitadas e companhias fechadas) podem superar este limite caso possuam demonstrações financeiras auditadas por auditor independente registrado na CVM, independentemente do público-alvo da oferta pública; e
(ii) passam a se incluir na regra excepcional referida no item “i” acima os recebíveis que sejam devidos por cooperativas agropecuárias que possuam demonstrações financeiras auditadas por auditor independente registrado na CVM, sem a necessidade de tais demonstrações financeiras observarem a Lei nº 6.404/76.
A modificação disposta no item “ii” acima, em especial, é muito bem-vinda pois facilita a utilização das emissões de CRA no contexto de sua função originalmente perseguida, que é financiar o pequeno produtor, na figura de suas cooperativas.
Atuação do Agente Fiduciário e Guarda de Documentos
Outra flexibilização bem-vinda é a revogação da proibição de que o agente fiduciário exercesse outras atividades no contexto da emissão de títulos de securitização. Com isso, pode haver redução de custos nestas transações, mediante acumulação de certas funções pelo agente fiduciário (p.ex., custódia, escrituração, etc.).
Mais uma medida neste sentido é a dispensa de contratação de custodiante para exercer a guarda dos documentos comprobatórios de recebíveis lastreadores em emissões destinadas apenas a investidores qualificados e sem a possibilidade de negociação dos títulos em mercado secundário, desde que tais recebíveis não sejam títulos de crédito.
Atualização da Classificação de Risco
A periodicidade mínima de atualização da classificação de risco (rating) para emissões de títulos de securitização passa a ser de 12 (doze) meses, ou conforme previsto no instrumento de emissão.
Constituição de Regime Fiduciário em CRI
A Resolução CVM nº 194/23 determina que emissões de CRI ou outros títulos de securitização lastreados em direitos creditórios imobiliários devem ter seu lastro representado por cédulas de crédito imobiliário (“CCI”), caso contrário será necessário o registro do termo de securitização em cartório de registro de imóveis.
Isso vai de encontro à interpretação de agentes de mercado, que enxergavam derrogação tácita do dispositivo da Lei de Registros Públicos que exigia tal registro em conexão com a previsão introduzida pela Lei nº 9.514/97.
Outras Modificações
Por fim, mencionamos algumas outras alterações trazidas pela Resolução CVM nº 194/23:
(i) harmonização de prazos de convocação e quóruns de deliberação de assembleias de investidores previstos na Resolução CVM nº 60/21 ao Marco Legal da Securitização;
(ii) extinção da previsão de registro provisório de ofertas públicas de CRI, mecanismo que há muito havia caído em desuso;
(iii) alteração da definição de “direitos creditórios” para mencionar, expressamente, valores mobiliários, dando mais clareza ao conceito; e
(iv) aprimoramento redacional que deixa clara a possibilidade de utilização da categoria S1, com utilização de SPEs subsidiárias integrais não sujeitas a registros individuais perante a CVM, por securitizadoras que atuem em qualquer segmento, em decorrência da extensão do regime fiduciário para além das emissões de CRI e CRA.
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VBSO Advogados – Equipe de Mercado Financeiro e de Capitais