CVM E BANCO CENTRAL EMITEM NOTAS SOBRE CRIPTOMOEDAS E OFERTAS PÚBLICAS DE CRIPTOMOEDAS (ICO)

CVM E BANCO CENTRAL EMITEM NOTAS SOBRE CRIPTOMOEDAS E OFERTAS PÚBLICAS DE CRIPTOMOEDAS (ICO)

A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) e o Banco Central do Brasil (“BACEN”) lançaram novas notas, no dia 16 de novembro de 2017, a respeito de moedas virtuais (criptomoedas) e Initial Coin Offerings (ofertas iniciais de moeda, ou “ICO”). A CVM divulgou FAQ[1] (frequently asked questions) a respeito do tema, delineando o cada vez mais necessário posicionamento sobre a tecnologia, que vem sendo alvo de regulamentação e debate no âmbito global e vem ganhando espaço no Brasil. Por outro lado, o Banco Central, em divulgar o Comunicado nº 31.379, emitiu “Alerta sobre os riscos decorrentes de operações de guarda e negociação das denominadas moedas virtuais[2].

  1. Comunicado nº 31.379, do Banco Central do Brasil

O BACEN justifica o Comunicado 31.379 “considerando o crescente interesse dos agentes econômicos (…) nas denominadas moedas virtuais”. Como fez a CVM em nota[3] lançada no dia 11 de outubro de 2017, já analisada por este escritório[4], o BACEN limita-se a delinear limites normativos e operacionais para as criptomoedas. Neste sentido o regulador traça as seguintes considerações:

(i)                    As empresas que negociam ou guardam as moedas virtuais não são reguladas, autorizadas, ou supervisionadas pelo BACEN;

(ii)                   A denominada moeda virtual não se confunde com a definição de moeda eletrônica, definida pela Lei nº 12.865 de 9 de outubro de 2013, e regulamentada pelo BACEN;

(iii)                 As operações com moedas virtuais e outros instrumentos conexos devem, ainda, atentar às obrigações descritas nas normais cambiais, em especial a realização de transações exclusivamente por meio de instituições autorizadas pelo Banco Central do Brasil a operar no mercado de câmbio.

 

Adicionalmente, a seção de perguntas frequentes[5] do Banco Central ainda descreve outras vedações, a exemplo de “Não é permitido realizar transferências internacionais com moedas virtuais”.  Esse posicionamento – questionável, dado que a “criptomoeda” não é propriamente uma moeda[6] – afronta uma das facilidades proporcionadas pela transação com tais ativos, que é a movimentação de valores entre pessoas em diferentes países, e também coloca em risco, por exemplo, as operações de arbitragem internacional de criptomoedas[7].

 

  1. FAQ sobre ICOs emitido pela CVM

A Comissão de Valores Mobiliários, por sua vez, buscou nortear, segundo sua própria nota, “considerando o avanço das operações conhecidas como Initial Coin  Offerings”, prestando esclarecimentos sobre os riscos decorrentes dos ICOs.

Segundo a instituição, ainda não há regulamentação para ofertas públicas dessas moedas, que, em alguns casos e, devido a seu caráter híbrido, podem ser consideradas como valores mobiliários, dependendo, portanto, de autorização do regulador para serem ofertadas ao público investidor em geral.

A CVM afirmou também que vem acompanhando as operações, estudando seus riscos e benefícios, por meio de comitês e fóruns internos e externos, como o Comitê de Gestão de Riscos e os trabalhos desenvolvidos pela IOSCO (International Organization of Securities Commissions).

A Autarquia, por outro lado, nesta nota, tratou de diferenciar ICOs de ofertas públicas de valores mobiliários, nos seus mais variados aspectos: (i) tipos de emissão; (ii) correspondência com valores mobiliários; (iii) irregularidade de “exchanges” (empresas de negociação) de ativos virtuais; (iv) diferença entre o prospecto de ofertas e “White Papers” de ICOs; (v) governança em ICOs; (vi) posição de outros reguladores internacionais; e (vii) riscos associados à negociação de ativos virtuais.

 

  1. Pontos em comum aos reguladores

A ação conjunta de ambos os reguladores decorre diretamente do caráter híbrido da tecnologia que dá lastro a boa parte das moedas virtuais, bem como à oferta destas. O blockchain, tecnologia que dá lastro tanto às moedas virtuais quanto à oferta, transcende o caráter destas, dando-lhes caráter de meio de pagamento, de valor mobiliário ou de um ativo comum.

O BACEN, mesmo alegando em seu comunicado que o Sistema de Pagamentos Brasileiro não é afetado pelo volume de criptomoedas no mercado, tende a se voltar para tais instrumentos, uma vez que criptomoedas podem ser utilizadas como meios de pagamento. Criptomoedas podem vir a substituir a moeda local na medida em que estas são criadas para facilitar transações em um ambiente específico, no caso a internet.

Por outro lado, como as operações de ICO podem ser caracterizadas como ofertas públicas de valores mobiliários, a regulamentação que recairia sobre elas é a Lei 6.385/76.  Conforme determina o inciso IX do seu artigo 2º, considera-se valor mobiliário quaisquer títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiro, quando ofertados publicamente.  É sabido que determinados tokens podem assumir tais características.

Conforme já explicitado em nota anterior[8] por este escritório, existe uma razão para a CVM preocupar-se com os ICO.  Valores mobiliários são também reconhecidos como negócios jurídicos de segundo grau.  Isto porque, existe um negócio jurídico subjacente (primeiro grau), que dá lastro para a operação, e que pode assumir diferentes formatos (como um contrato de aluguel, engorda de animais ou um token), e um segundo, ligado à real motivação do adquirente, que é o investimento.  Uma vez que haja a oferta de um investimento ao público em geral, a CVM é obrigada, por lei, a proteger os investidores contra ofertas irregulares, assegurar o acesso e uso adequado de informações a respeito do ativo ofertado, bem como coibir práticas não equitativas e fraudes ou manipulação do mercado.

Em comunicado anterior, a CVM também já ressaltou que as virtual currency exchanges (plataformas específicas para negociação de moedas virtuais) não são ambientes legítimos à negociação de valores mobiliários oriundos de ICO, uma vez que não são autorizadas pela CVM (isto porque, nos termos da legislação em vigor, a negociação de valores mobiliários somente pode ocorrer em sistemas de registro devidamente autorizados pela CVM).

 

  1. Os próximos passos

O volume de mercado absorvido por moedas virtuais é cada vez mais crescente e as transações dos mercados financeiros e de capitais tem se voltado para este mercado. Em 31 de outubro de 2017, o CME Group, a maior bolsa de derivativos do planeta, anunciou[9] que lançará ainda no quarto trimestre de 2017, um mercado de derivativos baseado em bitcoin para contratos futuros. De acordo com o grupo, os contratos serão liquidados em dinheiro, com base na CME CF Bitcoin Reference Rate (BRR), além de seguir as mesmas diretrizes dos mercados tradicionais do CME Group.

Portanto, conforme já descrito, o regime jurídico de uma tecnologia que assume diferentes formas jurídicas é de difícil assertividade. A ação conjunta dos reguladores, no mesmo dia, não é mera coincidência. Em traçar limites, não estabelecendo proibições sumárias e ainda diferenciando criptomoedas e ofertas de criptomoedas dos instrumentos já conhecidos pelos mercados financeiros e de capitais, os reguladores contribuem para o desenvolvimento de tecnologias que podem aumentar a eficiência dos mercados, o volume de transações e o acesso aos serviços financeiros, a custos de oportunidade menores.

É recomendável, por fim, que os potenciais investidores em ICO consultem o site da CVM (www.cvm.gov.br) para verificar se os ofertantes ou ofertas são registrados na CVM, bem como do BACEN (www.bcb.gov.br). Eventuais dúvidas também podem ser comunicadas ao atendimento das instituições, bem como analisadas caso a caso, devendo sempre se consultar uma equipe de advogados.

 

Equipe de Mercado de Capitais – VBSO Advogados.

 

[1] http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2017/20171116-1.html

[2] http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/normativo.asp?numero=31379&tipo=Comunicado&data=16/11/2017

[3] http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2017/20171011-1.html

[4] https://www.vbso.com.br/cvm-emite-nota-sobre-ofertas-publicas-de-criptomoedas-ico/

[5] http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/moedasvirtuais.asp?idpai=FAQCIDADAO

[6] Para fins legais, a moeda é aquela de curso forçado no país, no caso o Real.  Contudo, a “criptomoeda” pode atender às funções econômicas da moeda (instrumento de troca, reserva de valor e unidade de conta) quando utilizada como meio de pagamento.

[7] Na arbitragem internacional, indivíduos fazem remessas ao exterior em moeda estrangeira (mediante contratação de câmbio) e adquirem criptomoedas em exchanges no exterior onde a cotação do ativo é mais barata e depois vendem tais ativos em exchange de outro país onde a cotação do mesmo ativo é maior, auferindo ganho, portanto, com a diferença de preço entre as exchanges.  Ao adquirir o bem no exterior e revende-lo no Brasil, há o risco de o BACEN interpretar que houve a supressão de contratação de câmbio. Contudo, esta interpretação também restaria equivocada, se considerada a interpretação do próprio BACEN de que a “criptomoeda” não é propriamente uma moeda.  Se isto é verdade, não se trataria de uma “transferência internacional de moeda” e não haveria que se falar em câmbio.  Seria o equivalente, por exemplo, a adquirir um bem qualquer no exterior (como comprar um livro durante uma viagem, por exemplo) e depois vendê-lo no país.

[8] https://www.vbso.com.br/cvm-emite-nota-sobre-ofertas-publicas-de-criptomoedas-ico/

[9] http://www.cmegroup.com/media-room/press-releases/2017/10/31/cme_group_announceslaunchofbitcoinfutures.html