Em votação apertada, STJ fixa preocupante precedente sobre a recuperação judicial do produtor rural

Em votação apertada, STJ fixa preocupante precedente sobre a recuperação judicial do produtor rural

A 4ª Turma do STJ retomou ontem o julgamento do emblemático caso do Grupo JPupin, que trata da possibilidade de submissão ao processo de recuperação judicial do Grupo dos créditos constituídos antes da inscrição do produtor rural pessoa física perante o Registro de Comércio.

O resultado, em apertado 3×2, além de acolher o pleito dos produtores quanto ao corte temporal de submissão dos créditos ao processo recuperacional, também adotou a tese de que o produtor rural pode pedir recuperação judicial sem o cumprimento do prazo mínimo de 2 anos de inscrição na Juta Comercial, desde que comprove, por quaisquer formas admitidas em direito, o exercício da atividade rural.

O voto inaugural, da Relatoria do ministro Marco Buzzi, que ressaltou a natureza constitutiva do registro da pessoa física do produtor rural junto ao Registro Público de Empresas Mercantis, bem como apontou que “não seria lógico e sequer permitido no ordenamento jurídico vigente que os contratantes, notadamente aqueles que se tornaram credores de uma pessoa física, repentinamente, em gritante violação ao princípio da boa-fé contratual e da segurança jurídica das relações privadas, tenham seus créditos incluídos em processo recuperacional em razão de posterior transformação (constituição) do ruralista em pessoa jurídica empresarial”, criou falsas esperanças aos credores.

Isto, pois o voto do Relator foi seguido apenas pela ministra Isabel Gallotti, restando vencido pelos demais ministros, destacando-se o posicionamento do ministro Luís Felipe Salomão, que manifestou-se de forma expressa contra argumentos “terroristas” de instituições financeiras para concluir pela irrelevância do registro na Junta Comercial à qualificação do produtor rural como empresário, entendimento que, a nosso ver, esbarra na histórica doutrina do Direito Comercial que segue o direito positivo pátrio, segundo a qual o ato de registro não se trata de mera formalidade, pois tem o condão de criar a empresa mercantil, de conferir à atividade desempenhada a natureza empresarial.

A crítica direta ao argumento dos bancos presente no voto do ministro Salomão demonstra ausência de uma visão sistêmica por parte do Poder Judiciário das cadeias agroindustriais e de sua necessária proteção. Ou seja, diferente de “terrorismo”, o entendimento trazido pelos bancos de que aumentarão as taxas de juros de empréstimos se o produtor rural puder exercer a recuperação judicial indica o aumento dos custos de transação através de análise de impacto regulatório que contribui como instrumento ao desenvolvimento econômico. Trata-se, em realidade, de reflexo aos riscos assumidos pelos financiadores da atividade, os quais aumentam consideravelmente com uma chancela irrestrita ao acesso à recuperação judicial pelo produtor.

Destaca-se, ainda, trecho do voto do ministro Raul Araújo, em que se afirma que a inscrição perante o Registro de Comércio não é marco de regularidade da atividade empresária ao produtor, o qual, ao optar pela qualidade de empresário, o faria apenas em prol de obtenção de vantagens presentes no ordenamento às empresas. Referido entendimento, contudo, ignora que o produtor rural, ao optar por se inscrever perante a Junta Comercial, passará a se inserir em um regime jurídico consideravelmente mais formal e oneroso, destacando-se a sujeição ao recolhimento de tributos como CSLL, PIS e Cofins, além de obrigações acessórias como a apresentação de escritura física e contábil digitais, preenchimento de DCFT, dentre outras.

Desse modo, além de chancelar iniciativas oportunistas com inscrições de produtores rurais no Registro de Comércio às vésperas do pedido de recuperação judicial, quebrando a confiança necessária entre as partes que mantêm uma relação contratual, a decisão do STJ, ao vislumbrar apenas o crédito bancário como motor de financiamento do agronegócio, acaba por ignorar os reflexos causados às tradings, indústrias de insumos, revendas, cerealistas, comercializadoras e aos diversos instrumentos do mercado de capitais que têm contribuído à retomada do crescimento econômico dos sistemas agroindustriais por intermédio do financiamento ao setor.

Por fim, não se olvide que a Lei de Recuperação de Empresas (LRE) não foi pensada para um regime recuperacional da pessoa física, de modo que a resolução oferecida pela presente decisão do STJ não resolverá a complexa problemática da crise do produtor rural, visto que tende a limitar seu acesso a crédito, de modo que surge a oportunidade de uma necessária evolução legislativa em prol de um Estatuto próprio de Recuperação do Produtor Rural.

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