MP do Marco Regulatório da Securitização Convertida em Lei

MP do Marco Regulatório da Securitização Convertida em Lei

A Medida Provisória que criou o marco legal da securitização de recebíveis no Brasil foi convertida na Lei nº 14.430, de 3 de agosto de 2022, e já está em vigor. Essa ótima notícia para o mercado de securitização brasileiro vem acompanhada de mais um aspecto positivo: a tramitação da MP não desfigurou o bom texto inicial e ainda o aprimorou pontualmente.

Nesse sentido, se destaca a possibilidade de dedução das despesas de captação da base de cálculo da contribuição para o PIS/Pasep e a Cofins por qualquer companhia securitizadora – até a conversão da MP em lei, essa dedução era permitida apenas a securitizadoras atuantes nos segmentos agrícola, imobiliário ou financeiro.

Essa medida é compatível com o esforço de redução de divergências regulatórias entre transações de securitização com diferentes tipos de lastro, que já era a tônica da versão original da medida provisória.

Em combinação com as novas regras de registro de companhias securitizadoras, constantes da Resolução CVM nº 60/21, e com as novas regras de ofertas públicas trazidas pela Resolução CVM nº 160/22, que entrará em vigor em janeiro de 2023, a securitização de recebíveis poderá ter um grande salto quantitativo e qualitativo no Brasil, assumindo um papel de ainda maior protagonismo como ferramenta de captação de recursos por negócios privados no Brasil.

Relembramos, abaixo, os destaques desta nova arquitetura regulatória constante da Lei nº 14.430/22:

A nova regra, acertadamente, não restringe as operações de securitização à emissão de Certificados de Recebíveis, conferindo mesmo tratamento às operações em que recebíveis sejam vinculados ao pagamento de outros tipos de valores mobiliários. Neste sentido, deixa claro que operações de securitização correspondem à emissão e oferta pública de valores mobiliários cujo pagamento é primariamente condicionado ao recebimento de recursos dos direitos creditórios que o lastreiam.

De igual modo, estende a possibilidade de constituição de regime fiduciário e criação, pelas companhias securitizadoras, de patrimônio separado em benefício dos investidores respectivos, que hoje se aplicam apenas aos Certificados de Recebíveis Imobiliários – CRI e aos Certificados de Recebíveis do Agronegócio – CRA, para emissões envolvendo Certificados de Recebíveis lastreados em quaisquer direitos creditórios e, também, de outros valores mobiliários representativos de operações de securitização.

Tal previsão amplia a possibilidade de utilização de regime fiduciário e trata de modo igualitário todas as possíveis transações de securitização, independentemente da natureza dos recebíveis lastreadores ou dos títulos de securitização emitidos.

Com efeito, a norma estabelece que a companhia securitizadora poderá instituir o regime fiduciário para fins de pagamento dos Certificados de Recebíveis ou de outros títulos e valores mobiliários representativos de operações de securitização.  Desse modo, as menções aos Certificados de Recebíveis constantes da regra devem ser lidas com a extensão aos demais títulos que sejam emitidos no contexto de operações de securitização.

Com isso, é eliminada a assimetria regulatória anteriormente existente, que limitava a possibilidade de instituição de regime fiduciário no contexto de emissões de certificados de recebíveis imobiliários – CRI ou do agronegócio – CRA.

Vale dizer, por exemplo, que a partir de agora uma emissão de debêntures lastreada em créditos financeiros, ao amparo da Resolução nº 2.686, do Conselho Monetário Nacional, passa a poder se beneficiar da instituição de regime fiduciário, o que constitui uma relevante proteção para o investidor de tais títulos.

Ainda a respeito do regime fiduciário, a nova lei altera as medidas necessárias para formalização de sua instituição: ao invés de averbação em cartório de registro de imóveis ou registro perante a instituição custodiante de cédulas de crédito imobiliário, como anteriormente previsto na Lei nº 9.514/97, basta que o termo de securitização ou instrumento de emissão do título de securitização seja registrado em entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil ou pela CVM a exercer a atividade de registro ou depósito centralizado de ativos financeiros e de valores mobiliários, nos termos do disposto na Lei nº 12.810/13.

Esta mesma regra ainda busca robustecer as salvaguardas decorrentes do regime fiduciário, estatuindo que mesmo obrigações de natureza fiscal ou trabalhista não serão aptas a superar a barreira criada entre o patrimônio comum da securitizadora e os patrimônios separados relativos a cada emissão, superando antiga discussão de mercado sobre a eventual incidência da vetusta Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001.

São outros pontos relevantes do novo regime os seguintes:

Criação de uma definição legal de operação de securitização com aplicabilidade ampla. É bem-vinda a criação de uma definição precisa e sucinta de securitização: aquela constante da norma captura de modo adequado a natureza de negócio jurídico coligado e será ferramenta importante para a adequada interpretação, judicial e administrativa, destas transações. Isso vai ao encontro das melhores práticas internacionais na regulação da securitização, de modo compatível e comparável com o Regulamento Europeu de Securitização e a Dodd-Frank Act.

Ampliação do espectro de direitos creditórios aptos a lastrearem Certificados de Recebíveis. A nova regra permite que os Certificados de Recebíveis sejam lastreados por direitos creditórios de quaisquer naturezas e originados em quaisquer setores econômicos. Basta que sejam descritos no termo de securitização, e a denominação dos Certificados de Recebíveis deverá especificar a natureza dos direitos creditórios que os lastreiam.  Desse modo, recebíveis mercantis em geral podem lastrear emissões de Certificados de Recebíveis, inclusive com a utilização do regime fiduciário e patrimônio separado.

Possibilidade de reabertura de emissão para complementação de lastro. Criou-se a possibilidade de agregação de novos direitos creditórios como lastro de operações de securitização, na forma que seja prevista no instrumento de emissão. Esta medida é especialmente no contexto imobiliário, diante da possiblidade de distratos de contratos de compra e venda a prazo de unidades imobiliárias, por exemplo, mas pode ser útil a securitizações que atendam a diversos setores econômicos, mitigando o risco de insuficiência de ativos para fazer frente aos pagamentos esperados pelos investidores.

Revolvência. De modo amplo e independentemente da natureza dos recebíveis lastreadores, a nova regra dispõe que o termo de securitização deve dispor sobre a possibilidade de aquisição de novos direitos creditórios com os recursos recebidos pela companhia securitizadora oriundos dos pagamentos dos direitos creditórios originalmente vinculados à operação.

Com isso, é superado o entendimento anteriormente vigente de que não poderia haver revolvência em securitizações imobiliárias, assim como fica permitido tal expediente em operações de securitização envolvendo recebíveis de qualquer natureza. Esta flexibilidade é importante para permitir que recebíveis de setores econômicos diversos, especialmente aqueles que tenham prazos menores, possam ainda assim ter a securitização como ferramenta acessível de captação de recursos.

Ramp-up ou aquisição faseada de lastro mediante chamadas de capitalAs companhias securitizadoras podem celebrar com investidores compromissos de subscrição de integralização de certificados de recebíveis, permitindo que a securitizadora realize chamadas de capital na medida em que tais recursos sejam necessários para efetiva aquisição dos direitos creditórios.  Isso flexibiliza a formatação das operações de securitização, aproximando o mercado brasileiro das práticas vistas no exterior e tornando mais racional e eficiente a dinâmica de montagem destas operações.

Divisão de atribuições da securitizadora e do agente fiduciário.  A nova regra busca deixar clara a centralidade do papel da securitização na administração do patrimônio separado e na adoção de todas as medidas necessárias para a defesa dos interesses dos investidores beneficiários do regime fiduciário, conferindo a ela poderes-deveres amplos para a consecução deste objetivo. Da mesma forma, busca esclarecer o caráter essencialmente fiscalizatório da atividade do agente fiduciário, assim como a subsidiariedade de seu dever de agir na defesa dos interesses dos investidores em substituição à securitizadora que se mostrar inerte.

Dação em pagamento de direitos creditórios.  Outra inovação acertada é a possibilidade de dação em pagamento dos direitos creditórios componentes do lastro das operações de securitização aos investidores em casos previstos no termo de securitização e, de forma específica, em caso de liquidação do patrimônio separado em caso de insolvência da securitizadora ou insuficiência de ativos do patrimônio separado sem que os investidores cheguem a uma decisão sobre os mecanismos de administração deste patrimônio ou de sua liquidação.

Com isso se torna possível encerrar emissões que se mostram inviáveis e que, no silêncio das regras existentes até a edição da Medida Provisória, ficavam suspensas em um “limbo” jurídico, sem uma possibilidade clara de solução alternativa.

Cláusula de correção por variação cambial.  A previsão de cláusula de correção do valor nominal dos títulos pela variação cambial passa a ser aplicável a qualquer tipo de Certificado de Recebível, ampliando a previsão anteriormente restrita aos CRA.  De início, estes certificados somente poderão ser adquiridos por investidores não residentes, ressalvada a possibilidade de autorização de sua aquisição por investidores residentes mediante norma editada pelo Conselho Monetário Nacional. Vale lembrar que esta autorização já existe especificamente em relação aos CRA.

Tratamento fiscal.  Ressaltamos, por fim, que o tratamento fiscal dos CRI e CRA, com isenção do imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos pagos a pessoa física, não se estende aos demais Certificados de Recebíveis, para os quais incidirão as regras gerais de tributação aplicáveis a títulos de renda fixa, variando entre 22,5% a 15% a depender do prazo da aplicação, na forma do artigo 1º da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004.

 

Equipe de Mercado Financeiro e de Capitais – VBSO Advogados