Proposta de modificação da Lei nº 11.101/2005 apresenta pontos polêmicos, e o saldo final ainda é incerto

Proposta de modificação da Lei nº 11.101/2005 apresenta pontos polêmicos, e o saldo final ainda é incerto

Na última quarta-feira (09/05), o presidente Michel Temer encaminhou ao Congresso Nacional Projeto de Lei que visa a reformar diversos pontos da Lei nº 11.101/2005, popularmente conhecida como Lei de Recuperação e Falências, que completou 13 anos de vigência recentemente.

Elaborado pelo Ministério da Fazenda, em conjunto com grupo de trabalho composto por juristas convidados pelo próprio Governo Federal, o Projeto em questão promete, antes mesmo de iniciar sua tramitação perante o poder legislativo, dividir opiniões entre os especialistas do direito recuperacional e falimentar, uma vez que, de um lado, traz novidades defendidas pela doutrina e aplicadas pela jurisprudência, enquanto, de outro, apresenta modificações que podem ser prejudiciais a determinados grupos de credores e à própria recuperanda.

Entre as alterações trazidas pelo Projeto, merece destaque aquela presente no artigo 3º, parágrafo 1º: de acordo com referido dispositivo, processos de recuperação judicial ou de convolação em falência, quando apresentarem soma de passivos superior ao valor de 300 mil salários mínimos na data do ajuizamento, tramitarão não mais no juízo da sede do devedor, como ocorre sob a vigência da atual redação, mas no da capital do Estado onde se localizar o principal estabelecimento.

Tal modificação, assim, pode ser positiva, à medida que impede que recuperações judiciais ou falências de grande porte tramitem em comarcas sem a estrutura necessária, bem como dificulta eventuais tentativas de os devedores influenciarem o juízo  de tais comarcas. Pode ser, entretanto, que a alteração venha a sobrecarregar ainda mais o Poder Judiciário das capitais que, ao contrário de São Paulo, não possuam varas especializadas no tema de recuperação judicial e falências, obrigando-as a efetuar as adaptações estruturais necessárias.

Também é digna de menção a alteração ao artigo 6º, parágrafo 4º, relativa ao chamado stay period. Enquanto a lei atual determina que o período de suspensão das ações e execuções em face da empresa recuperanda deve durar 180 (cento e oitenta) dias a partir da decisão que defere o processamento da recuperação judicial, o projeto elaborado pelo Ministério da Fazenda dispõe que o referido prazo deverá perdurar até a data de encerramento do processo de recuperação judicial.

Trata-se de alteração relevante, sobretudo para os credores ditos extraconcursais descritos no artigo 49, parágrafo 3º, que, em caso de modificação a lei, terão de aguardar prazo ainda maior para efetuar a retirada de bens de capital essenciais à atividade da recuperanda. Tendo em vista que referidos credores são, em sua maioria, instituições financeiras, tem-se que a modificação em questão apresenta potencial para impactar direta e negativamente o mercado de crédito brasileiro, já às voltas com taxas de juros bastante elevadas.

Ainda no tocante ao artigo 49, parágrafo 3º, evidencia-se que o projeto ora analisado perdeu a oportunidade de esclarecer com maior precisão o que seriam os chamados “bens de capital essenciais”. Não obstante a literalidade da expressão indique que se tratar de ativos utilizados diretamente nas atividades principais da empresa em recuperação judicial, a jurisprudência recente, em clara tendência de proteger em demasia os devedores em detrimento da satisfação dos interesses dos credores, tem ampliado o rol de bens considerados essenciais, o que vem gerando proliferação de questionamentos judiciais dos credores neste sentido.

Se deixou de precisar o que seriam os “bens de capital essenciais”, o Projeto ao menos tratou de outros temas até então muito recorrentes na jurisprudência, mas sem correspondência nos textos legais.

O primeiro deles refere-se às consolidações, tanto processual quanto substancial. A primeira traz a possibilidade de diversas empresas, pertencentes a grupo sob controle societário comum, requererem a recuperação judicial no mesmo processo, sendo mantida, entretanto, a independência dos devedores, bem como de seus ativos e passivos. A segunda, por sua vez, significa dizer que os ativos e passivos dos devedores em recuperação judicial serão considerados como pertencentes a um agente econômico único, de modo que deverão apresentar plano de recuperação unitário, o qual será submetido a assembleia geral composta pelos credores de todas as empresas sob a consolidação substancial.

Outro tema que, com o Projeto, deixa de ser exclusivo da jurisprudência e passa a ser respaldado pelo texto legal é o da insolvência transfronteiriça. Trata-se de modificação da mais alta relevância, tendo em vista o crescente número de casos de empresas em recuperação judicial que apresentam estrutura transnacional, isto é, embora detenham sede em um país, possuem filiais por diversos países. Dessa forma, o artigo 167-A do Projeto busca estabelecer mecanismos para a cooperação jurídica entre juízes e outras autoridades do Brasil e de outros países, de modo a gerar maior eficiência dos processos de insolvência transfronteiriça, assim como maior segurança jurídica para a atividade econômica do devedor e para os interesses dos investidores e credores.

Esclarecimento necessário também trazido pelo Projeto foi no tocante à forma de contagem dos prazos previstos pela Lei nº 11.101/2005. Atualmente, referido diploma legal estabelece a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (“CPC”) aos procedimentos recuperacional e falimentar, o que, não raro, leva ao surgimento de entendimentos judiciais que determinam a contagem de prazos em dias úteis, tal qual disposto pelo diploma processual civil. O Projeto, entretanto, a despeito de ter mantido a incidência subsidiária do CPC sobre a Lei nº 11.101/2005, determina em seu artigo 189, parágrafo 1º, I, que os prazos nela previstos deverão ser contados em dias corridos, novidade esta que é positiva, uma vez que impõe aos devedores a obrigação de praticar com maior celeridade os atos necessários ao devido funcionamento da recuperação judicial.

Além disso, o Projete prevê ainda outra mudança de procedimento apta a conferir maior celeridade ao processo de recuperação judicial: em seu artigo 7º, parágrafo 2º, determina-se que o administrador judicial deverá, após a análise das divergências e habilitações de créditos a ele apresentadas, divulgar, no prazo de 45 (quarenta e cinco dias), a relação de credores em seu site na internet, o que colocará fim à exigência, custosa e morosa, de se divulgar referida relação mediante a publicação de editais nos autos do processo.

Essa, entretanto, não é a única modificação relacionada à atuação do administrador judicial, haja vista que o artigo 24, parágrafo 5º, determina que a escolha deste profissional deverá ser realizada pelo juízo mediante a apresentação, em até 5 (cinco) dias a partir de deferido o processamento da recuperação judicial, de propostas pelos interessados em desempenhar a função de administração judicial. Aumenta-se, portanto, a transparência na escolha do administrador judicial, atualmente realizada livremente pelo juízo e, geralmente, direcionada sempre aos mesmos profissionais.

Ainda, aponta-se que o Projeto inova no tratamento conferido ao momento de encerramento da recuperação judicial. Enquanto a Lei nº 11.101/2005 prevê que referido processo será encerrado após o cumprimento das obrigações previstas em plano que tenham vencimento em até 2 (anos) após a concessão da recuperação judicial, o que, na prática, tem tornado imprevisível a data de término do processo recuperacional, o Projeto prevê que o encerramento da recuperação judicial ocorrerá muito antes, quando da homologação do plano de recuperação. Em termos práticos, referida mudança pode significar ampla desoneração da carga de trabalho do judiciário, livrando-o da obrigação de fiscalizar por período de tempo indefinido o cumprimento do plano de recuperação judicial pelos devedores.

Por fim, deve-se apontar que, ante fortes pressões pela Fazenda Nacional, o Projeto de Lei conta com previsão expressa da possibilidade de o Fisco pedir a falência de empresas em recuperação judicial que não estejam em dia com seus tributos e parcelamentos. A previsão coloca, na prática, entrave a praticamente a totalidade das recuperações judiciais, visto que não há um parcelamento específico adequado às empresas que se encontram em recuperação e, infelizmente, os tributos se mantêm completamente alheios ao processo. O empoderamento do Fisco concedido pelo Projeto de Lei é verdadeira excrescência apenas inserida no corpo do Projeto após a entrega da redação original pelo Grupo de Trabalho e não deve ser mantida.

Não obstante os comentários inaugurais acima realizados, fato é que as propostas de modificação da Lei nº 11.101/2005 ainda terão de percorrer um longo caminho no Congresso Nacional até serem de fato incorporadas ao ordenamento jurídico, estando sujeitas a modificações, cabendo aos operadores do direito, neste momento, atuação intensa para que as inovações positivas do Projeto sejam mantidas, mas que se afastem disposições que possam prejudicar o funcionamento dos institutos da recuperação judicial e da falência.

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