TOKENS LASTREADOS EM DIREITO DE SOLIDARIEDADE NÃO SÃO VALORES MOBILIÁRIOS

TOKENS LASTREADOS EM DIREITO DE SOLIDARIEDADE NÃO SÃO VALORES MOBILIÁRIOS

A Comissão de Valores Mobiliários – CVM se manifestou recentemente em consulta realizada pelo Club de Regatas Vasco da Gama (“Vasco” ou “Clube”) sobre eventual enquadramento de oferta pública de ativos digitais representativos de direitos creditórios não performados oriundos de mecanismo de solidariedade (“Futecoins” ou “Tokens”) eventuais e futuros detidos pelo Vasco (“Direitos Creditórios”) no conceito de oferta pública de valores mobiliários (“Consulta”).

A iniciativa é do Club de Regatas Vasco da Gama e da Exchange Mercado Bitcoin em seu braço de criptoativos, o Mercado Bitcoin Digital Assets (“MBDA”). No caso em questão, os Direitos Creditórios seriam oriundos do chamado “Mecanismo de Solidariedade da Federação Internacional de Futebol” – dispositivo que recompensa os clubes formadores de atletas profissionais, com até 5% do valor total de cada transferência internacional do atleta, rateado proporcionalmente entre os times pelos quais o jogador passou até completar 23 anos.

Dessa maneira, caso os jogadores cujos Direitos Creditórios oriundos do Mecanismo de Solidariedade objeto de tokenização tenham seus direitos econômicos vendidos a um novo clube, os investidores titulares dos Tokens poderiam receber parcela do valor devido ao Clube pelo Mecanismo de Solidariedade. Tratam-se de Direitos Creditórios futuros e incertos, haja vista que, caso o jogador não seja vendido, não há remuneração devida pelo Mecanismo de Solidariedade. Assim também caso o jogador enfrente uma lesão ou venha a encerrar sua carreira.

A Superintendência de Relações com o Investidor (“SRE”) da CVM avaliou tais características pormenorizadas na Consulta a fim de verificar se estariam presentes os requisitos necessários para configuração das Futecoins como valores mobiliários.  

A definição de “valor mobiliário” no direito brasileiro consta do artigo 2º da Lei n° 6.385, de 7 de dezembro de 1976.  O inciso IX desse artigo permite à CVM enquadrar como valores mobiliários novos produtos estruturados pelo mercado, que atendem aos requisitos de “quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.”  Essa definição de valor mobiliários é bastante inspirada no conceito de security do Direito norte-americano, incorporando elementos do chamado “Howey Test”.

Desse modo, nos casos em que há discussão sobre o enquadramento de novas operações financeiras ao regime jurídico dos valores mobiliários regulados pela CVM, a Autarquia passou a avaliar em cada situação específica se estariam presentes os elementos do inciso IX do artigo 2º da Lei n° 6.385/76, em suma, aplicar o Howey test

No caso das Futecoins, a CVM divulgou seu entendimento por meio do Ofício nº 15/2020/CVM/SER, de 2 de outubro de 2020.  A Autarquia aplica o Howey test à oferta pública das Futecoins e reproduzimos abaixo, resumidamente, o entendimento da CVM:

  1. Há oferta pública? Sim, o Vasco deseja realizar uma oferta pública das Futecoins.
  1. Há investimento formalizado por um título ou contrato? Sim. Os investidores irão aplicar recursos financeiros para adquirir os Tokens.

1 Para a Suprema Corte americana, os elementos do Howey test são os seguintes: (i) investimento de recursos por uma pessoa (investment of money); (ii) em empreendimento coletivo (common enterprise); (iii) com a expectativa de obter lucro (expectation of profits); e (iv) cujos esforços advêm daqueles que lançaram o título ou de terceiros (solely from the efforts of others) (Securities & Exchange Commission v. W. J. Howey Co.).

  1. O investimento é coletivo? Nesse ponto, a CVM entende que não há investimento coletivo propriamente dito, qual seja, em que vários investidores reunem recursos em prol de um investimento geral, uma vez que não é identificada a união de recursos formada pelos aportes de cada investidor em prol de um único empreendimento ou projeto.  Contudo, para a Autarquia, a compra das Futecoins por um grupo de pessoas, ligadas por um objetivo comum, seja ajudar seu clube ou apostar em seu jogador que acredita ter potencial, demonstra um viés coletivo, ainda que por diferentes desígnios.  Portando, utilizando-se de um conceito mais amplo de investimento coletivo, a CVM entende que a oferta das Futecoins preenche esse requisito.
  1. O investimento gera direito de participação, de parceria ou de remuneração? Não há direito de participação ou parceria.  Contudo, existe uma expectativa de remuneração por parte do investidor consubstanciada no ganho proveniente do recebimento, pelo Vasco, dos Direitos Creditórios que, por sua vez, depende de diversos fatores como, por exemplo, o desempenho dos jogadores escolhidos e a eventual negociação desses jogadores no futuro.
  1. A remuneração oferecida tem origem nos esforços do empreendedor ou de terceiros? A CVM reconhece que o possível ganho do investidor nada decorre do esforço do Vasco ou de qualquer terceiro interessado.  Nesse sentido a Autarquia reforça o entendimento do Vasco de que “ainda que se argumente que a definição do preço do ativo depende, ainda que em parte, do esforço do vendedor, não é o preço que gera direito a remuneração. Não há direito algum nesse caso. O direito é o de receber um pagamento incerto, que somente será devido quando e se o jogador for negociado”.

De fato, no momento da oferta, o Clube não possui qualquer interferência sobre eventuais ganhos por parte dos investidores, uma vez que as Futecoins se referem aos jogadores que já não estão mais no Clube.

A CVM conclui, portanto, não estarem presentes as características que permitam enquadrar as oferta das Futecoins como valores mobiliários de acordo com os termos previstos na legislação brasileira e, portanto, a sua oferta não depende de registro perante a Autarquia.

Equipe de Mercado de Capitais do VBSO Advogados