Cláusula de vencimento antecipado fundada em pedido de Recuperação Judicial é ilegal, decide TJSP

Cláusula de vencimento antecipado fundada em pedido de Recuperação Judicial é ilegal, decide TJSP

Em decisão recente, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (“TJSP”), no âmbito dos Embargos de Declaração nº 2048753-61.2017.8.26.0000/50000, manifestou entendimento de que a recuperação judicial não pode ensejar o vencimento antecipado de dívidas. Embora ainda seja um entendimento isolado e não possua força vinculante, esta decisão pode representar um novo posicionamento do Poder Judiciário paulista no contexto de processos de recuperação judicial.

No caso concreto, o Banco Citibank S.A. buscava a confirmação de que créditos cedidos fiduciariamente teriam natureza extraconcursal. Em seu voto, o Desembargador Relator Carlos Alberto Garbi, não obstante tenha reafirmado essa natureza extraconcursal, mantendo a garantia hígida em face da recuperação judicial do devedor, em consonância com posição consolidada pela jurisprudência, determinou também (em sede de embargos de declaração) que a recuperação judicial não teria o poder de acelerar uma dívida contratual, entendimento este que pode impactar a posição de credores, principalmente instituições financeiras, nos processos recuperacionais.

É bastante comum, no contexto do mercado de crédito brasileiro, que as instituições financeiras, ao celebrarem contratos de financiamento, procurem resguardar-se de riscos de inadimplemento por parte do financiado mediante a constituição de garantia.  Exemplo comum é a cessão fiduciária de créditos, com a previsão da possibilidade de declaração unilateral de vencimento antecipado das obrigações em caso de ajuizamento de recuperação judicial pelo financiado, bem como em caso de falência.

Referida cláusula permite às instituições financeiras credoras, cujos créditos dessa modalidade não se submetem ao concurso de credores, ante a extraconcursalidade do crédito fiduciário imposta pela Lei de Falências, que, através da declaração de vencimento antecipado, o mecanismo da “trava bancária” seja utilizado para o bloqueio imediato dos recursos devidos, seja no tocante às parcelas vencidas, seja no tocante às parcelas vincendas da dívida.

O cenário em questão, entretanto, pode estar prestes a mudar, uma vez que o entendimento do TJSP ora discutido adota a posição de que cláusulas de vencimento contratual antecipado em razão de ajuizamento de pedido de recuperação judicial são ilegais, sob o fundamento de que inviabilizariam o soerguimento da atividade empresarial da devedora, objetivo da lei que regula a recuperação judicial.

Ou seja, neste contexto, o credor somente poderá aplicar a trava bancária, obrigação acessória à cessão fiduciária de recebíveis e que autoriza a retenção de valores pela instituição financeira credora, às parcelas já vencidas, não estando autorizado a proceder da mesma maneira em relação às parcelas vincendas, as quais deverão permanecer livres para a utilização pelo devedor em recuperação judicial.

Trata-se de posição controversa, uma vez que gera clima de insegurança jurídica aos credores, em especial às instituições financeiras, o que pode vir a representar, inclusive, impacto negativo ao mercado de crédito brasileiro, já às voltas com elevadas taxas de juros e com elevado spread bancário.

Além disso, a decisão revela posição contrária a princípios do próprio direito privado, como a autonomia privada e a liberdade negocial, uma vez que considera inválida cláusula contratual livremente negociada e pactuada por partes capazes e, em regra, acompanhadas por assessores jurídicos, além de não se mostrar contrária a qualquer dispositivo legal do ordenamento jurídico brasileiro.

Inconformado com o entendimento em questão, o Banco Citibank interpôs Recurso Especial, o que obrigará o Superior Tribunal de Justiça a se manifestar sobre a questão, devendo decidir se a decisão proferida pelo TJSP continuará a representar posição isolada ou de fato uma nova tendência jurisprudencial.