STF relativiza a coisa julgada em matéria tributária

STF relativiza a coisa julgada em matéria tributária

O STF decidiu, em 8 de fevereiro de 2023, que a decisão judicial transitada em julgado deixa de produzir efeitos na hipótese em que a Corte declara a constitucionalidade da exigência tributária, desde que essa decisão siga rito que produz efeitos para todos os processos em curso. Em outras palavras, significa que as decisões favoráveis aos contribuintes com trânsito em julgado serão automaticamente anuladas caso, em manifestação posterior, o STF conclua pela constitucionalidade do tributo discutido. O impacto recai, principalmente, sobre as relações jurídico-tributárias de trato sucessivo ou continuado, isto é, cujos efeitos da decisão perduram ao longo do tempo (por exemplo, um imposto que é apurado periodicamente).

Nos recursos analisados (RE 955.227 e RE 949.297), o caso concreto envolvia a declaração de inconstitucionalidade da CSLL, obtida por contribuinte na década de 1990, período em que houve o trânsito em julgado. Posteriormente, em 2007, o STF declarou que a exigência de CSLL era constitucional. Surgiu, então, a discussão sobre qual seria o efeito da declaração de constitucionalidade da CSLL em sede de controle concentrado (ADI nº 15 – portanto, com efeitos para todos os contribuintes), nas ações individuais transitadas em julgado favoravelmente ao contribuinte. Resumidamente, esse é o contexto que pautou a discussão sobre a “quebra” da coisa julgada diante de posição do STF que declara determinada exigência tributária constitucional.

A posição da Corte, nas palavras do Ministro Relator, Luís Roberto Barroso, foi no sentido de que “é necessária a interrupção dos efeitos da coisa julgada nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo, independente do tributo que se esteja discutindo, quando esta Corte se manifestar em sentido oposto, em controle concentrado ou em controle difuso, desde que após a instituição da sistemática da repercussão geral“. No caso da CSLL, a linha do tempo abaixo ilustra os marcos temporais discutidos e auxilia a compreensão do que fora decidido pelo STF:

 

 

Assim, sem a necessidade de propositura de ação rescisória, o STF declarou que haverá anulação automática dos efeitos das ações transitadas em julgado que contrariem posição posterior sobre a constitucionalidade de exigências tributárias. Isso em relação a quaisquer tributos, não se restringindo ao caso da CSLL, especificamente discutida no RE 955.227 e no RE 949.297. Quando isso ocorrer (“quebra” automática das decisões transitadas em julgado), a Corte decidiu que deverá ser respeitado o princípio da anterioridade, significando, de forma simplificada, que a decisão que declara a constitucionalidade de determinado tributo em controle concentrado ou em sede de Repercussão Geral é equipara a instituição de novo tributo.

A seguir, listamos os principais pontos do julgamento:

  • Limitação dos efeitos da coisa julgada em matéria tributária: o STF decidiu, por unanimidade, pelo cancelamento automático das decisões favoráveis ao contribuinte transitadas em julgado a partir da mudança de entendimento do STF em questões tributárias, sem a necessidade de ação rescisória.
  • Decisão pela não modulação de efeitos: por maioria, os ministros entenderam que não deve haver modulação de efeitos, ou seja, as autoridades fiscais podem realizar a cobrança dos tributos a partir da publicação da ata de julgamento do STF que reconheceu a constitucionalidade do tributo.
  • Necessidade de observância da irretroatividade, anterioridade de exercício e nonagesimal: entendendo que a situação é semelhante à criação de novo tributo, o STF entendeu pela necessidade de ser respeitada a irretroatividade, a anterioridade de exercício e a anterioridade nonagesimal, contando os referidos períodos de vacatio legis a partir da data de publicação da ata de julgamento do STF que reconheceu a constitucionalidade da cobrança
  • Tese fixada quanto as decisões do STF em controle incidental: a corte reconheceu que as decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade (inter partes) anteriores à instituição do regime de repercussão geral não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo.

 

A Equipe Tributária do VBSO Advogados chama atenção para o fato de que essa decisão pode impactar contribuintes que tenham ações transitadas em julgado para outros temas, como, por exemplo, no caso da incidência do IPI na revenda de produtos importados. Além disso, não se descarta o risco de extensão do raciocínio para os contribuintes que ingressaram com ação para a exclusão do ICMS da base do PIS e da COFINS após 15 de março de 2017 e obtiveram trânsito em julgado antes de o STF ter definido a modulação de efeitos da decisão, em maio de 2021.

Apenas relembrando, ao tratar da modulação dos efeitos do RE 574.706 em maio de 2021, o STF limitou a possiblidade de restituição dos valores indevidamente recolhidos aos cinco anos que antecederam o julgamento do RE 574.706, ocorrido em março de 2017, apenas aos contribuintes que já haviam ingressado com ação para recuperação dos valores antes dessa data. Contudo, é comum a situação de contribuintes que ingressaram com ação após a decisão do STF – 2017 – e obtiveram trânsito em julgado reconhecendo a possibilidade de recuperar os valores indevidamente pagos em relação aos cinco anos anteriores ao ajuizamento de sua ação, antes da modulação dos efeitos em março de 2021.

Com isso, apesar de o julgamento desta semana não ter abordado essa questão, surgem dúvidas quanto aos seus impactos na situação descrita acima: deverá ser preservada a coisa julgada ou cessará automaticamente o direito à restituição dos valores anteriores a março de 2017? Afinal, antes e depois da modulação, o mérito da discussão é o mesmo: a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS é inconstitucional. Não houve, a rigor, mudança de posição do STF, tal como no caso da CSLL, a justificar uma extensão acrítica e irrestrita da “quebra” automática das decisões obtidas na chamada “Tese do Século”. Trata-se de mais um imbróglio a ser solucionado e que se soma a negativas de habilitação de crédito pelas autoridades fiscais, não homologação de compensações declaradas e/ou ações rescisórias propostas pela União Federal.

Cada caso demandará a adoção de estratégias processuais alinhadas à utilização dos créditos que poderão ser questionados pelas autoridades fiscais a partir da surpreendente decisão do STF desta semana, que coloca em xeque, novamente, a segurança jurídica e reforça a percepção de que a modulação de efeitos é expediente que não observa consistência e uniformidade.

Os casos são diferentes, mas é temerária a premissa estabelecida pelo STF de que a coisa julgada pode ser relativizada nos casos em que haja risco à concorrência entre contribuintes.

A Equipe Tributária do VBSO Advogados permanece à disposição para esclarecimentos sobre o tema.